Recentemente retifiquei o meu nome, então agora estou naquela fase de entrar em prédios gelados em filas ridiculamente enormes, carregando uma quantidade absurda de documentos passando por processos burocráticos czaristas.
Eu acho que a gente já passou da fase de ficar chorando porque temos que enfrentar mais uma fila e preencher exigências bizarras. Todos já passamos por isso.
A fila é, tentando pensar em uma definição, um problema de falta de organização burocrática. Com a tecnologia que temos, já deveríamos ter a capacidade de criar mecanismos mais eficientes de gestão. É algo tão enraizado em nossa cultura que é difícil até imaginar como esses processos vão se parecer.
Até lá, sentimos o peso do mundo nas costas ao ter que lidar com instâncias burocráticas que servem muito mais para nos oprimir do que ajudar. Você realmente acha que Luciano Huck teria dificuldade de conseguir um almoço com o presidente ? Mesmo figuras pequenas como Luciano Hang não precisam de muita cerimônia para conseguir uma licitação para construir mais uma daquelas lojas horríveis.
A burocracia é feita para uma determinada classe.
E veja, vamos derrotar isso com uma revolução ? Eu não sei. Eu sei que agora nós podemos criar estratégias para vencer o monstro que dorme em nosso peito enquanto dormimos.
Nós não temos tempo para absolutamente nada hoje em dia - podemos roubar esse tempo de fila para fazer algo “que não deveríamos fazer”. Como por exemplo, se possível, conversar, socializar.
Toda fila deveria ser um espaço de solidariedade. Onde nós (até por todos sermos veteranos) munidos de cada armadilha burocrática, discutimos estratégias, táticas para superar os donos do poder.
Nosso saber coletivo pode derrotar qualquer burocracia kafkiana. Ajude seu amiguinho a não precisar ter que esperar e precisar voltar sem um documento. Mostre como se consegue, lembre quais são necessários, para ele não precisar saborear a fila duas vezes ou mais.
Em uma fila deveríamos ser consumidos pelo tédio. Então não tem nada mais criminoso que gastar esse tempo lendo, escrevendo, assistindo alguma coisa. Esse marasmo da fila serve, mesmo que de forma não-intencional, para demonstrar o poder do que faz a gente esperar na fila sobre o nosso corpo.
O Estado, o banco, a loja, o médico, tem poder sobre o nosso corpo. Não podemos simplesmente deixar de ir na fila, vamos nela porque precisamos de alguma coisa que ela oferece. Existe, portanto, um jogo de poder aqui sendo posto.
O tempo que você está na fila é um tempo que você não está trabalhando.
Existe aqui uma oportunidade de usar desse espaço para o lazer. A tecnologia hoje facilita muito isso. Sabe aquele tempo que você não tem para ler aquele livro que você comprou ? Essa é a hora. Seja a doida do manifesto comunista no meio da fila do banco. Leia Mao Zedong na fila do supermercado, Lenin na fila do micro-ondas do seu trabalho, mini-manual de guerrilha de Mariguela naquela repartição pública, Foucault na recepção do seu médico…
Kpunk, claro, sempre.
Acaba que estar bem numa situação de sofrimento, é a pior coisa para quem quer te torturar.
E seja gentil com quem te atende, eles são a bucha de canhão, a recepcionista, além de recepcionista, deve acumular umas outras três tarefas no mínimo, sem contar que elas nunca são suficientes para a quantidade de gente que atendem.
O supermercado raramente tem uma quantidade razoável de caixas para justificar deixar as pessoas trabalhando por horas em pé, sem poder ir ao banheiro. A culpa não é do caixa, é do burguês safado dono da rede de supermercados. É ele que não contrata mais gente para aumentar suas margens de lucro.
Essa relação de solidariedade com outros trabalhadores, enquanto miramos corretamente na burguesia, que é necessária de ser estabelecida.
É uma merda atender público porque as pessoas personificam aquela ineficácia em você. O problema é o vampiro que rouba nosso sangue.
Mate Kafka, abrace a liberdade de ser uma barata.