Normalização do apocalipse


Esse é um desses posts que eu não vou compartilhar tanto por aí, mas é importante se você se importa com o que eu escrevo.

Eu tenho uma mania que eu pessoalmente não gosto muito, que é ficar refletindo sempre sobre a minha vida e basicamente viver em constante crise.


Você que uma vez ou outra, vai ter ou teve, um daqueles períodos obscuros de incerteza e de reflexão profunda, bem vindo ao meu mundo, eu sou a criatura que vive nesse lugar.


Então, eu me peguei para pensar um pouco sobre a Covid, sobre o que foi março de 2020 até final de 2021. Não pretendo ir muito fundo na parte pessoal, mas digamos que até agora, foi o pior momento da minha vida e eu basicamente cresci com depressão, então foi horrível mesmo.


Então, eu sempre fui muito fã de distopias em geral. Como crítica, gênero literário, estética, tudo. Talvez você tenha notado pelo o que eu posto/escrevo por aí.


E a melhor parte para mim, é que eu não sou uma velha e hegeliana filofascista como o Zizek, então eu consigo ver o fim do capitalismo no fim do mundo. Sinceramente, a questão que mais me pega nas distopias versus o que a gente vive, é que na distopia o fim do mundo é iminente.


Existe na distopia, na grande maioria delas, uma resistência, um grupo rebelde, alguma coisa, contra essa realidade merda. Não só isso, na distopia existe uma instabilidade das estruturas a ponto de que a qualquer momento, tudo pode se tornar algo completamente diferente.


Enquanto na nossa realidade é difícil enxergar esse grupo rebelde, não raro ele é impotente diante a estrutura vigente, quando não é uma oposição controlada do inimigo.


As coisas não vão bem, mas não ruins o suficiente para serem insustentáveis. O mundo tá uma merda e tá tudo certo, é para ser uma merda e muito bem organizado para tal.


Isso cria uma situação de “tédio apocalíptico”. Os bueiros começam a explodir, as pessoas são executadas na rua, a fome cresce, o desemprego só aumenta, as ruas são invadidas pelo mar, etc, só que isso não destroi o planeta.


Não causa nenhuma grande ruptura, muito menos desestabiliza o que a gente pode chamar de sistema. O movimento é senão o contrário, os meteoros, as mortes, os suicídios, as pragas, etc, vão se tornando parte da paisagem e quando a gente vê, a gente se acostuma.


Passa a ser normal viver no inferno. A Covid em grande parte foi um exercício de não cair no completo niilismo. Todo dia muita gente morria, no caso do Brasil, havia um projeto muito explícito para isso e no final de tudo, ninguém foi preso, ninguém foi punido e em grande padre, tudo aquilo se tornou uma memória distante.


A Covid desestabilizou tudo, mas ela se tornou parte do cenário. Você acaba entrando em um certo nível de crise existencial sem volta : nada realmente importa, e para mim nunca foi problema em ser um grão de areia no espaço, o pior para mim foi olhar para a minha volta e enxergar uma vastidão de vazios.


Eu tive sorte para um caralho, falando no bom francês, mas eu nunca tive contato com tanta falta de humanidade (e eu cresci em Santa Catarina, então foi muito ruim mesmo). Foi muito difícil por isso também. Patrões escrotos, gente ignorante querendo basicamente matar você e toda sua família com essa doença, você tendo que lidar internamente com a irresponsabilidade de pessoas próximas não ligando para a doença, aí você em uma tensão constante de ninguém saber o que vai acontecer.


Ao mesmo tempo, aos poucos, essa situação atípica se normaliza e é isso que mais me incomoda da Covid como um apocalipse. Se normalizou viver na merda, todo mundo ser escroto, você não poder confiar em literalmente ninguém e ainda ter que lidar com uma doença contagiosa maluca que uns biruleibes querem te passar.


Me causa, para dizer no mínimo, nos meus melhores dias, raiva de tudo isso. Mas em grande parte, o sentimento que domina é o cansaço.


Pensa, ainda em 2020 tivemos eleições municipais, 2021 Lula atacando o impeachment do Bozo. Pensa no desgaste que foi, você tentando sobreviver e os cara, no meio disso tudo, os cara ainda fazendo cara de cu para você, para conseguir ficar conciliando com literalmente Deus e o Diabo.


A troco de que ? Vários nada, esse é o termo técnico. Chega no poder para continuar normalizando a desgraça.


Enfim, que eu seja a lenda talvez…