Por que você deveria bater nos niilistas ?


Infelizmente, eu costumo acertar muito as minhas análises. Dessa vez, eu estou mais cansada e menos informada. Peguei para refletir porque eu estou tão saturada e onde isso acontece. Depois de muita reflexão, eu cheguei a conclusão de que a culpa é desse niilismo generalizado na sociedade.

Ricoeur tem uma célebre análise que coloca Marx, Freud e Nietzsche (tem gente que coloca Darwin também) como os “mestres da suspeita”. Marx te colocaria para entender que existem determinações materiais na economia que endossam os discursos (ideologia), Freud mostra que nós temos um subconsciente que influencia em nossas decisões sem a gente perceber e Nietzsche mostra que a moral é uma coisa meramente arbitrária criada para domar a sociedade.


Em síntese, existem coisas que te influenciam antes mesmo de você pensar. Por isso Darwin também entra na lista de algumas pessoas, existiriam processos biológicos fora do nosso controle que ditam a nossa ação. Eu tendo a olhar para isso com certo cinismo, ainda mais porque a gente já chegou a um ponto na nossa discussão que literalmente todo mundo tem noção de que isso acontece.


Por mais que a gente goste desses autores e ache as barbas deles bonitas, goste do charme de fumar um charutão, essa “meta-percepção” nos torna mais cínicos em relação às coisas. Eu sei que a mensagem deles nem é tanto essa, mas é muito interessante observar que as pessoas pegam essas reflexões e adotam uma postura de “por causa disso, nada importa”, ou simplesmente se tornam pessoas extremamente chatas e usam dessa reflexão para defender um imobilismo (“tá tudo dominado, não dá para fazer nada), fora aqueles que não conseguem gostar de nada, tudo é ruim porque tem X questão ideológica, biológica, etc, etc.


Ou seja, nada importa porque tem na realidade algumas predeterminações e tal, é como se as pessoas ficassem tristes porque existem as leis da física. E assim, os autores morreram certo ? Tudo o que a gente tem é a leitura que a gente faz hoje, o seu “fantasma”. E se é uma coisa arbitrária como o caro Nietzsche nos ensinou, por que a gente escolhe a leitura mais cínica possível ?


Vou fazer uma analogia voltando lá na física. Se você compreende as leis da física e tal, você tem a capacidade de usar desse conhecimento para “quebrar as leis da realidade”. Olhe o avião grandão lá comercial, por exemplo, essa porra pesa por volta de 200 kilos. Eu te pergunto, esquecendo que existe aviação e tal, como que você faz uma coisa de 200 kilos voar ?


Se eu chego para uma pessoa no século XIX, antes de SANTOS DUMONT TER FEITO O AVIÃO, e perguntar se é possível fazer algo tão pesado voar, eu tenho muita certeza que encontraria pessoas falando que é impossível. Porém, se você estuda física e tal, compreende bem as leis da inércia e tal, você consegue calcular a velocidade, o material, e tal, necessários para criar uma máquina de 200 kilos que consegue subir a mais de 10 mil pés.


As conclusões de Nietzsche, Freud, Marx e Darwin, deveriam ser como a física, nós olharmos para realidade sabendo de suas leis, e através disso mudamos a realidade. É difícil não culpar os leitores nessa situação : você me pega Nietzsche e sua crítica à arte em Kant, e sai por aí falando que nada importa, que a arte é uma merda e etc, etc. Quando você deveria é socar Kant, ridicularizar essa noção de que a estética é uma coisa “desinteressada” e se abraçar com tudo na arte. Seja como um mero apreciador, seja como um artista, criar/consumir arte para se envolver até a cabeça.


E freudiano/darwinista chato que trata tudo como se a gente não tivesse como alterar nosso corpo/mente ? Se você entende que existem esses mecanismos, como eles funcionam, você pode inclusive criar outras estratégias para lidar com a sua mente/corpo. Nós somos a porra do monstro de Frankeistein.


Para mim os piores são os marxistas que usam da análise marxista, vocabulário e tal, para ter posições reacionárias bem avançadas. “A revolução é impossível”, “tá tudo dominado por coronel”, “porque a gente não controla nada”, sim demônio niilista, agora você sabe bem onde mirar. Se a questão é a ideologia, como você quebra isso ? Se a questão material grita na cara que a questão é a relação do trabalho e tal, você vai atuar na relação do trabalho (por isso a atuação em sindicatos seu trouxa). Tem latifundiário, etc, etc, você organiza ocupações (por isso MST/LCP) - “Ah mas tem a questão juridica”, você organiza um grupo de advogados do povo.


Mano, é tão difícil assim ? TÁ NO TEXTO, tudo o que eu disse tá escrito lá na obra desses caras. É claro como o dia. Eu te garanto que não precisa ser universitário para entender, o ponto dessas CONCLUSÕES CIENTÍFICAS, é justamente que são coisas que todo mundo consegue ver. Não é um saber hermético trancado a 5 chaves, inclusive você encontra os textos completos de todo mundo online.


Conhecimento é para todos. Se a sociedade burguesa dificulta é justamente porque isso empodera as pessoas a mudarem a realidade como ela está.


Só que assim, eu sei que você leitor vai me entender e tal, mas é um saco todo lugar de convivência você tem esse bando de filhos de puta, niilista, que fica justificando ser niilista, sugando a nossa vontade de viver (que já não é muita) e tornando tudo na vida uma merda. A parte mais triste é que a internet amplifica muito isso e se você tem que lidar com isso na rua, fica difícil não ter depressão.


Ter depressão, ansiedade, etc, é quase uma condição obrigatória no mundo que a gente vive. É muito menos uma condição psíquica individual e mais uma reação do seu corpo em relação ao mundo. Você sente coceira na sua pele quando tem algo irritando ela, certo ? E você não controla a coceira, mas você pode aliviar, ou você pode acabar com a causa da coceira. No meu caso é uma alergia ao niilismo da sociedade moderna, não se pode gostar de nada, não dá para ser feliz nunca e tudo é um eterno sofrimento cristão.


Veja, eu acabei de mostrar que compreendendo as coisas você consegue mudar o seu comportamento e tal, eu observei que o problema era os lugares que eu estava frequentando e passei a ter uma postura a ignorar esses lugares. Parei de ver feed de rede social, parei de ver vídeo de marxista reaça, parei de interagir tanto em grupos de discussão, tento dissociar e alienar o máximo possível as relações na universidade, me aproximei mais das pessoas e coisas que eu gosto. Só assim para não cair no buraco do niilismo.

 

PS : Não me pergunte quais marxistas reaça. Mas é gente que fica chamando todo mundo de burro, que fica tratando as pessoas como idiota, fica numa arrogância e prepotência que meu deus do céu, faz Bakunin parecer uma moça. E é aquela coisa, por que o Brasil não teria gente que usa vocabulário marxista para ficar destruindo outras organizações marxistas ? A própria universidade tem muito esse papel também, e é cansativo que uma porra.

anticomunismo de esquerda brasileiro.


(ps: eu nem sei que caralhos de título colocar) 
 
Eu vou soar muito aquelas comunistas linha-dura que sai chamando todo mundo de revisionista, mas a questão aqui, principalmente quando falamos em Brasil, é que de fato, é difícil você não encontrar mesmo à nossa esquerda posições conservadoras.

Por exemplo, quando a gente fala das questões chamadas identitárias, envolvendo raça, gênero, nacionalidade, etc, para gente que leu sobre a balcanização e que gente, tem a informação, não é como se não soubesse, comunista brasileiro é tarado pelo leste europeu (eu também, só para não dizer que eu sou tão diferente nisso), como que as pessoas não conseguem enxergar que a função de fomentar os mais diferentes tipos de preconceitos serve para dividir a classe trabalhadora ?

Veja, não é preciso ser um grande gênio ou ler tanto sobre teoria queer, anti-racismo, etc, para ter o mínimo de compreensão nisso para pelo menos fazer um esforço para lutar contra essas formas de discriminações. É até esperado que o militante médio reproduza alguns preconceitos da sociedade em geral, nós não somos idealistas. Mas aí eu fico pensando, existe internamente uma postura de mostrar, mesmo para esse militante “anti-identitário”, que não existe uma separação, por exemplo, das questões de raça da luta de classes.

Desde que o Brasil é Brasil, colocar o negro numa posição de inferioridade racial, seja por justificativa religiosa ou supremacista branca, sempre serviu como uma forma de legitimar o genocídio negro, colocar todo negro em posição de escravizado, em profissões de menor prestígio e de excluir ele de espaços de decisão política.

Existe controvérsia nisso que eu falei ? Discordar dessa posição é literalmente racismo, mas principalmente, é negacionismo histórico. Houve escravidão no Brasil, existem trabalhos e mais trabalhos que mostram isso.

É negacionismo, principalmente no Brasil, negar a questão da raça como sendo uma coisa essencial para a luta política no Brasil. Esse é um exemplo, eu poderia discorrer nas mais diferentes minorias e explicar exaustivamente como cada aspecto delas pode representar uma libertação para todos, mas eu não vou fazer isso, porque não é exatamente isso que eu quero fazer com esse texto.

Existe também, um outro motivo pro militante “anti-identitário” querer ficar falando que racismo não importa, que gênero é auê, etc, etc. Claro, é preconceito internalizado, é - só que é também ele achar que o que ele faz é a coisa mais importante do mundo e que os outros não “militam direito”. Sempre tem essa postura de que o outro, não está fazendo a militância “do jeito certo”, e isso de alguma forma, tornaria a militância desse outro menos válida.

Veja, aqui a gente nem está falando de uma postura exclusiva do “anti-identitário”, mas de uma postura generalizada da esquerda brasileira, incluindo o “campo democrático”. Um exemplo claríssimo disso é a questão de “estar ou não na institucionalidade”. Geralmente a postura de quem está fora é de ficar denunciando reformismo, de dizer que fulano se vendeu, que tá tudo dominado e tal - e quem está na institucionalidade não dá muito valor para movimentação popular, para organização política da classe trabalhadora, não raro é quem fica contra manifestações populares, etc, etc.

Tanto uma estratégia como a outra tem seus méritos e defeitos, o erro na minha opinião é não combinar ambas para ter um movimento mais forte. Mas note que a militância do outro é sempre a errada, é sempre quem atrapalha, “o errado é quem não me segue”. O problema é que isso cria umas disputas internas na esquerda, até mais virulentas do que a contra a direita, que faz com que boa parte do tempo de algumas pessoas seja criticando a esquerda e sendo chato pra kct.

O que acontece muitas vezes é que tem grupos muito mais abertos a conciliar com grupos religiosos reacionários, com partidos burgueses fisiológicos sem nenhum compromisso nacionalista, conversar com setores reacionários, etc, etc, do que sentar para conversar com outro grupo de esquerda.

Eu nem estou dizendo que é inválido você tentar cooptar setores da direita, mas que é menos trabalhoso você sentar para discutir uma ação com a própria esquerda que defende as mesmas coisas.

Como boa nietzscheana eu tenho minhas máximas, uma delas é que eu acho mais fácil qualquer outro país do mundo conseguir fazer uma revolução socialista do que o Brasil. É capaz do Brasil ser o último país capitalista do mundo enquanto o resto do planeta já tenha adotado o comunismo. Por que eu digo isso ? É um exercício de observar que para você ter o mínimo de acesso e exposição de qualquer ideologia de esquerda no Brasil, dentro dessa mesma discussão, você ouve pelo menos uns 10 argumentos dentro da própria esquerda contra a esquerda.

É impossível conversar com anarquistas sem ouvir mil coisas contra os comunistas, impossível ouvir uma linha comunista sem que essa linha queira deslegitimar a outra e por aí vai. Por isso, nós somos tão infrutíferos e temos tanta dificuldade de tomar ações mais complexas, mais bem coordenadas, etc, etc.

É interessante observar que, mesmo com o fascismo vivinho da silva e pronto para tomar o mundo novamente, ninguém consegue largar um pouco o lado liberal de querer liderar tudo e querer sair brigando por aí. Tudo o que eu disse aqui é bem senso comum, inclusive peço desculpa por descer tanto o nível do texto, então assim, é difícil para mim não acreditar que é má vontade.

Eu venho diminuindo bastante meu contato presencial/uso de rede social, justamente porque eu sinto que tem alguns espaços sugando minha energia toda. Me desanima muito o estado das coisas, justamente, porque você não consegue gastar 2 minutos aqui na internet para ver que todo mundo ficou bem niilista de merda.

Cuidado, tem comunistas vivendo nas suas paredes


Quando a gente estuda as coisas, mesmo que seja de forma bem preliminar, nós começamos a desmistificar o mundo. Vou usar a analogia mais iluminista do mundo : o ser humano não enxerga no escuro, não tem a audição mais aguçada, muito menos o melhor dos faros, então como a gente sobrevive no escuro ?

É simples (claro, hoje é), aprendemos a manipulação do fogo, mais tarde criamos ferramentas mais complexas chamadas lanternas e lâmpadas. O que isso faz exatamente ? Aguça a nossa visão, da mesma forma que existem microfones especiais para captação de sons inaudíveis para a gente, de detectores de substâncias para “sentir” o cheiro.


Falando até numa perspectiva de teoria do conhecimento, existe uma série de coisas que podem distorcer a nossa percepção da realidade.


No meio do caminho, digamos assim, nós temos essa noção do sobrenatural. O que é em grande medida trazido para o reino do sobrenatural ? O inexplicável, o caótico, o sem sentido.


Mas assim, é uma falsa causalidade, não é porque você não entende ou não sabe o como de uma coisa, não significa necessariamente que seja algo sobrenatural.


Mesmo que fosse real, existem tantas outras coisas menos complicadas de acontecer. Por exemplo, (quase) toda casa assombrada é uma casa velha que faz um monte de barulho.


O que é mais fácil : uma entidade sobrenatural assombrar o lugar ou você simplesmente tem uma casa velha, cheia de encanamentos antigos, com ratos e insetos por todo canto.


Será que a assombração, pensando numa perspectiva bem antropológica, não tem muito mais um elemento social de tentar explicar aquele local abandonado como assombrado ?


Pensando numa perspectiva bem vulgar e genérica sobre fantasmas, eles não existem sem uma comunidade, isto é, sem uma cultura em torno que acredite que eles existem.


É muito claro que para a assombração sequer ser uma assombração, ela precisa ser codificada, quando nós falamos de fantasmas, nós só seremos afetados por eles se fizermos parte da mesma comunidade.


Ou será que o sobrenatural se manifesta mesmo para quem sequer sabe da existência dele ?


O ponto que eu quero trazer é que a casa assombrada só é assombrada, porque ela carrega casualidades inexplicáveis. Ela faz barulhos de forma tão variável e randômica, que a explicação que parece mais racional é que existe uma racionalidade nesses barulhos, isto é, existe uma força sobrenatural responsável por fazer aquela assombração.


Até que a gente entenda que existe uma física dos ventos, os moinhos serão sempre movidos por demônios.


Eu trago a questão do barulho, da estética, da imagem do assombrado, porque antes da gente acreditar que existem fantasmas, é preciso existir o lugar que pode ser assombrado.


Saindo um pouco do exemplo da casa, tem lugar que mais inspira histórias que o cemitério ?


Aqui eu vou para a segunda parte da minha explicação. Todo lugar assombrado tem uma memória.


Por que o cemitério é assombrado ? Porque os mortos estão lá. A cova se torna literalmente um espaço de rituais religiosos.


Os vivos dedicam uma boa parte do seu tempo em rememorar os mortos. Os mortos só continuam vivos porque os vivos desenterram os mortos e os trazem para sua vida.


Quando alguém morre, existe o sentimento de luto, isto é, existe socialmente a prática de ter um tempo para relembrar os mortos.


Existem mortos que são criadas estátuas, quadros, homenagens das mais diversas. O morto passa a guiar o vivo.


Quando a gente volta para o espaço da casa, ela carrega uma memória dos que viviam ali, suas histórias, seus legados, seus objetos…


Não é a toa que a casa assombrada é quase sempre a casa do burguês. Ali está oculto as histórias de quem ali vivia escravizado, de quem construiu e produziu aquela casa.


Note como a assombração acontece : você começa ouvir sons, vultos, luzes, inexplicáveis na sua casa. No meio da sua investigação com seus pares, você escuta histórias de pessoas que morreram ali.


Toda a atmosfera do lugar passa a ser uma evidência da história que existem fantasmas naquele espaço.


O ponto mais importante do fantasma não é que você vai encontrar ele. O bicho papão sempre some quando ligamos a luz, a questão é que o fantasma é um morto que se faz vivo, dentro da gente.


Nós passamos a fazer as coisas baseando-se na suposta existência deles. Aí que se inicia aquelas práticas de superstição.


Todo dia seu professor universitário, o delegado de polícia, os serviços de inteligência, os setores mais reacionários da sociedade, etc, acordam fazendo preces contra o comunismo.


Isso por que no Brasil existe um poderoso e vigoroso movimento revolucionário ? As evidências históricas apontam senão para o contrário. Eles mataram os nossos comunistas, os perseguiram e para colocar o prego no caixão, surgiu uma esquerda liberal extremamente anti-comunista.


A história do Brasil é uma história de esmagamento dos nossos movimentos populares. De muita luta, de muito sangue.


Ou seja, tudo aponta que o Brasil está longe de ter um movimento revolucionário. Mas ainda sim, o que faz todo dia existir uma pessoa dedicada a ficar atacando um militante político hipotético ?


O que faz a polícia estudar Marighella, Mao, Lenin, Stalin e esperar um inimigo interno que o Brasil de fato nunca teve ?


Estamos falando do fantasma do comunismo. E aqui é a parte que vamos falar porque os comunista vivem nas suas paredes, que o seu vizinho é secretamente comunista, que tem comunistas por toda parte e se você olhar bem no espelho, talvez você seja um comunista.


Voltemos para a casa. O ponto mais importante para compreender uma tendência histórica é observar o ambiente. Olhar para as condições históricas que estão em jogo.


Quando falo jogo, digo jogo mesmo, na disputa político-social. O Brasil é um país extremamente desigual, com uma população negra que ainda sofre com os resquícios da escravidão, com uma população indígena que sofre os efeitos da colonização até os dias de hoje,com desigualdades regionais tremendas, com o trabalho se tornando escasso e precário.


E claro, nós sempre podemos listar mais e mais coisas, ainda por cima especificar para cada região do Brasil.


O ponto é : esses são os barulhos, os vultos, as marcas da nossa casa assombrada. É como eu disse, ligando a luz, aguçando os sentidos, existe um certo consenso que a revolução não vai chegar amanhã.


Que não existe a organização necessária para tal. Ainda sim, o medo disso se tornar uma revolta popular é enorme. As políticas públicas em si, são pensadas já como uma forma de amenizar as condições históricas, ou seja, são como tentativas de diminuir a deterioração da casa para ela fazer menos barulho.


Se a gente compreende que o ser humano tem seus interesses, que ele é capaz de criar métodos de sobrevivência, que o seu foco é facilitar o seu acesso para todos os recursos necessários para a vida se fazer vida, etc - todos os pressupostos do materialismo.


Mesmo que não exista um bolchevique vivo, que se tenha cooptado os movimentos populares e os seus partidos, que se tenha matado e perseguido quem não abaixou a cabeça, você cria toda uma “tempestade perfeita” para que os raios recaiam sobre a sua própria cabeça.


Eu tô citando Southpark, mas é válido para o filme Coringa também, o Coringa como uma personagem só existe porque a sociedade o pariu.


No Southpark, o episódio trata do fato de que os Estados Unidos cria uma situação tão insalubre, tão opressora, tão perversa, contra a sua população latina que existe um medo de que um dia essas condições produzam um Coringa mexicano.


Começa muito mais como uma mera paranoia e para evitar que o Coringa apareça, se aperta ainda mais nas medidas anti-imigratórias e de repressão  até o ponto que se cria uma sociedade que produz o Coringa.


O fantasma ganha uma proporção tão grande na vida dos vivos que eles passam a ter cada vez mais atitudes guiadas pela assombração.


É sobre religião, sobre levar a vida de acordo com uma figura divina que nós criamos. É sobre a mercadoria, que no capitalismo é o trabalho oculto nos meandros do valor. É sobre o medo que de repente a mercadoria, ou seja, nós nos tornemos conscientes e lutemos para não sermos explorados.


O medo das máquinas se levantarem contra nós, é o medo do escravizado se virar contra o escravista. O medo é que todo aquele povo oprimido se junte e elimine todos os senhores.


Por isso, é tão necessário compreender esse tipo de coisa. Não é que é feita uma lavagem cerebral e de repente todo mundo vira comunista. Mas que existe toda uma configuração histórica que faz as pessoas se organizarem de tal forma, que elas lidem com a realidade que as cercam.


Ou seja, as pessoas se adaptam e criam estratégias políticas para sobreviver, olhando para a situação que vivemos é mais do que óbvio que precisamos mudar essa situação de domínio da burguesia.


O que te faz comunista não é porque “juventude”, como algumas pessoas sugerem. Ou porque se idealiza um mundo melhor. É porque você vive na merda e você precisa fazer alguma coisa em relação a isso.


Então, esse é o clima da nossa casa assombrada, é assim que ela se torna assombrada. Quanto às histórias de assassinato e morte ?


Aí nós temos tantas histórias de escravizados se rebelando, de tanta gente se reunindo para organizar uma rebelião, de tanta gente criando laços de poder por todo canto.


No Brasil, se tinham leis contra negros ficarem reunidos. Isto é, o medo era que se organizasse rebeliões.


O que é o apocalipse zumbi (que nomeia não pode acaso o grande Zumbi dos Palmares e as práticas religiosas do voodoo haitiano) senão o grande medo das multidões mortas, se tornarem voltem à vida e irem devorar os que ainda vivem ?


Essa ideia do canibalismo, muito difundida como um preconceito generalizado contra povos do Brasil e de África, não representa justamente esse imaginário assustado com a retaliação desses povos oprimidos ?


Vai ficar de lição de casa para você leitor : saia de casa e vá ao centro de uma metrópole. Você vai ver uma grande multidão morta e se você perceber direito, você faz parte dela, você está morto. Você é um zumbi.


Já pensou se de repente todo esse povo estivesse indo atrás dos grandes ricos ? Não seria um filme de terror…..para eles ?

Normalização do apocalipse


Esse é um desses posts que eu não vou compartilhar tanto por aí, mas é importante se você se importa com o que eu escrevo.

Eu tenho uma mania que eu pessoalmente não gosto muito, que é ficar refletindo sempre sobre a minha vida e basicamente viver em constante crise.


Você que uma vez ou outra, vai ter ou teve, um daqueles períodos obscuros de incerteza e de reflexão profunda, bem vindo ao meu mundo, eu sou a criatura que vive nesse lugar.


Então, eu me peguei para pensar um pouco sobre a Covid, sobre o que foi março de 2020 até final de 2021. Não pretendo ir muito fundo na parte pessoal, mas digamos que até agora, foi o pior momento da minha vida e eu basicamente cresci com depressão, então foi horrível mesmo.


Então, eu sempre fui muito fã de distopias em geral. Como crítica, gênero literário, estética, tudo. Talvez você tenha notado pelo o que eu posto/escrevo por aí.


E a melhor parte para mim, é que eu não sou uma velha e hegeliana filofascista como o Zizek, então eu consigo ver o fim do capitalismo no fim do mundo. Sinceramente, a questão que mais me pega nas distopias versus o que a gente vive, é que na distopia o fim do mundo é iminente.


Existe na distopia, na grande maioria delas, uma resistência, um grupo rebelde, alguma coisa, contra essa realidade merda. Não só isso, na distopia existe uma instabilidade das estruturas a ponto de que a qualquer momento, tudo pode se tornar algo completamente diferente.


Enquanto na nossa realidade é difícil enxergar esse grupo rebelde, não raro ele é impotente diante a estrutura vigente, quando não é uma oposição controlada do inimigo.


As coisas não vão bem, mas não ruins o suficiente para serem insustentáveis. O mundo tá uma merda e tá tudo certo, é para ser uma merda e muito bem organizado para tal.


Isso cria uma situação de “tédio apocalíptico”. Os bueiros começam a explodir, as pessoas são executadas na rua, a fome cresce, o desemprego só aumenta, as ruas são invadidas pelo mar, etc, só que isso não destroi o planeta.


Não causa nenhuma grande ruptura, muito menos desestabiliza o que a gente pode chamar de sistema. O movimento é senão o contrário, os meteoros, as mortes, os suicídios, as pragas, etc, vão se tornando parte da paisagem e quando a gente vê, a gente se acostuma.


Passa a ser normal viver no inferno. A Covid em grande parte foi um exercício de não cair no completo niilismo. Todo dia muita gente morria, no caso do Brasil, havia um projeto muito explícito para isso e no final de tudo, ninguém foi preso, ninguém foi punido e em grande padre, tudo aquilo se tornou uma memória distante.


A Covid desestabilizou tudo, mas ela se tornou parte do cenário. Você acaba entrando em um certo nível de crise existencial sem volta : nada realmente importa, e para mim nunca foi problema em ser um grão de areia no espaço, o pior para mim foi olhar para a minha volta e enxergar uma vastidão de vazios.


Eu tive sorte para um caralho, falando no bom francês, mas eu nunca tive contato com tanta falta de humanidade (e eu cresci em Santa Catarina, então foi muito ruim mesmo). Foi muito difícil por isso também. Patrões escrotos, gente ignorante querendo basicamente matar você e toda sua família com essa doença, você tendo que lidar internamente com a irresponsabilidade de pessoas próximas não ligando para a doença, aí você em uma tensão constante de ninguém saber o que vai acontecer.


Ao mesmo tempo, aos poucos, essa situação atípica se normaliza e é isso que mais me incomoda da Covid como um apocalipse. Se normalizou viver na merda, todo mundo ser escroto, você não poder confiar em literalmente ninguém e ainda ter que lidar com uma doença contagiosa maluca que uns biruleibes querem te passar.


Me causa, para dizer no mínimo, nos meus melhores dias, raiva de tudo isso. Mas em grande parte, o sentimento que domina é o cansaço.


Pensa, ainda em 2020 tivemos eleições municipais, 2021 Lula atacando o impeachment do Bozo. Pensa no desgaste que foi, você tentando sobreviver e os cara, no meio disso tudo, os cara ainda fazendo cara de cu para você, para conseguir ficar conciliando com literalmente Deus e o Diabo.


A troco de que ? Vários nada, esse é o termo técnico. Chega no poder para continuar normalizando a desgraça.


Enfim, que eu seja a lenda talvez…

É necessário falar grego com as massas ?

Se tem uma coisa que boa parte das pessoas pede para a esquerda fazer é voltar a fazer trabalho de base, participar mais da sociedade, trabalhar mais com associações, reatar os laços sociais destruídos pelo capital. E no meio dessa crítica sempre tem a questão de “falar a língua das massas”, ou seja, largar os jargões acadêmicos de lado e falar do jeito comum que as pessoas conversam.

Para mim essa segunda parte perde de vista uma coisa importante : o conhecimento desde sempre teve uma natureza de ser exclusivo, limitado, codificado, encriptado, para ser consumido por alguns monges no monastério. Esse nosso foco individualista em autores como grandes profetas, como pessoas que enxergam coisas que ninguém mais vê, é um elemento que mostra que o saber não é algo público, a ser conhecido pelo máximo número de pessoas e pensado como uma construção coletiva.

Não existe gênio iluminado, para existir Newton, Einstein, Darwin, etc, etc, em volta sempre existiu uma academia, um conjunto de outros pares que compartilham o conhecimento entre si, que construíam esse saber juntos e o mais importante, em todas as vezes o investimento público foi necessário para que esses cientistas fizessem seus estudos.


Então antes de “falar para as massas”, é preciso ter em mente que nós precisamos criar uma pedagogia popular que não transforme a escola num local fechado, recluso, distante, cheio de códigos que ninguém mais entende e supostamente não pode compreender. O conhecimento deveria ser uma coisa de cada praça, cada rua, cada discussão de bar, cada espaço deveria ser um espaço para a construção do nosso saber popular.


A forma que o conhecimento é construído, através do que vou chamar de encriptação, ou seja, você cria uma linguagem que só algumas pessoas dominam e que mesmo que outros tenham acesso, é como pegar uma mensagem codificada sem saber o código - não faz o menor sentido. Veja, existe acesso ao conhecimento na internet - mas você entende o que diz ?


É como receber um código morse sem saber código morse, são apenas sinais sem sentido algum, mesmo que a mensagem seja bem escrita e pensando na “linguagem vulgar”. Em parte, existe um motivo político muito claro de colocar o conhecimento atrás desses códigos : você domina o saber, enquanto o outro não consegue; Isso cria uma disparidade terrível entre aquele que sabe e o que não sabe - mesmo que a decisão do que sabe seja melhor informada e possa ser melhor para o “ignorante”, é quem tem o conhecimento que acaba tendo poder de decisão na sociedade.


Se a gente defende uma democracia, é impossível falar dela sem a difusão do conhecimento. O que é preciso fazer : ensinar o código para todos. É impossível ensinar matemática, por exemplo, se você não ensinar o conceito de número. A questão do ensinar não é abandonar completamente o conhecimento chamado de “erudito” para ensinar apenas tudo no jeito “vulgar” - é justamente criar pontes para que nós possamos não ter nem o “erudito” e nem o “vulgar”, mas um conhecimento popular que flua entre todas as pessoas.


Se você chegar na sua tia e explicar bem, sem ficar enrolando, conversando, sem tratar ela como inferior, sem ignorar o que ela sabe - você ensina facilmente conceitos como biopolítica de Foucault para ela. A sua tia pode já ter passado num hospital, dependendo da situação da família, já teve gente próximo no sistema prisional, sabe do que a disciplina escolar e a que existe dentro da própria casa dela.


A questão não é você ensinar isso para ela sem que você também aprenda alguma coisa a mais sobre o tema, entre outras palavras, que ela também tenha para contribuir dentro da teoria biopolítica de Foucault - sua tia consegue fazer isso, se você não acredita que seja possível ensinar isso para todo mundo e que todo mundo possa construir esse conhecimento, do que adianta conhecimento ?


Existe uma questão de manter o poder político na mão de poucos e de forma que seja fácil dominar, por isso o conhecimento é tão isolado e é criado tantas barreiras em torno dele para que as pessoas não o acessem. Uma sociedade, importante frisar isso, SOCIEDADE, que produz e difunde conhecimento entre si, consegue avançar muito mais no desenvolvimento da sua capacidade de modificar a realidade.


A questão não é ter mais escolas fechadas, mas sim escolas abertas para todos em todas as partes, em cada lugar do país. Ao invés de igrejas, e sim, eu sou dessas, deveríamos colocar escolas em cada esquina, cada lugar deveria distribuir conhecimento, livros por toda parte, clubes e mais clubes de leitura. Mesmo cada igreja, não vai ser mais necessário ter pastor, nós vamos todos sentar e discutir criticamente cada religião, vai ter teologia e exegese (interpretação de texto) em cada lugar.


Esse é o sonho que a internet nunca conseguiu entregar. O conhecimento é um fluxo e esse fluxo é cuidadosamente construído para passar em apenas alguns lugares, é um rio construído para irrigar apenas alguns lugares, enquanto seca outros. Se a gente quer ter abundância para todos, o rio precisa passar por cada pedacinho de terra.


Por isso eu acho assim, não é uma questão de “falar com a linguagem da quebrada”, mas falar de uma forma que exista de fato uma conversa. De forma que eu entenda você e você me entenda, sem haver a necessidade da gente ficar criando mais barreiras de conhecimento cheias de códigos específicos. Não é sobre eu te ensinar, ou você me ensinar, é sobre nós ensinarmos/aprendermos juntos e construir conhecimento junto para que todos tenham acesso a esse saber.


Por hoje é isso.


PS : Faculdade, eu ando meio borocochó e é isso, vou voltar pro meu LOL.