Por que a IA não vai substituir pensar ?

O nosso modo de pensar e enxergar o mundo mudou radicalmente nos últimos séculos. Numa perspectiva histórica, houve um salto civilizacional sem precedentes, no máximo poderíamos dizer talvez movimentos como iluminismo, a era de ouro dos reinos árabes, a renascença quem sabe…Nada se compara com a quantidade de conhecimento que é produzido desde o século XIX.


É interessante pensar nisso, porque cada vez mais, nós vamos perder de vista esse processo de pensar. O importante em si, não é o resultado final de um pensamento, mas como se chega nele, qual é o caminho que a mente faz para chegar em determinado resultado ?


Matemática básica demonstra isso muito bem. Se você compreende como somar ou subtrair, você entende como multiplicar e por consequência, você vai conseguir entender muito bem uma divisão.


É esse processo que se perde, acredito. Existe uma dificuldade muito grande de pensar que as coisas funcionam em movimento, de forma dinâmica e que muitas vezes  escapa da nossa percepção.


O cara que não entende uma economia política marxista mínima, não é uma burrice, geralmente é o caso de que a gente é educado a decorar, saber o resultado pronto, seguir esquemas de memória e adestramento. Raciocinar, isto é, ter uma capacidade de seguir o curso de um pensamento, esse pensamento trabalhar em conjunção com os sentidos e o saber já prévio, de apreender informações novas e compreender o processo de como as coisas se tornam como são, não é uma qualidade que é valorizada.


Podemos dizer com certa segurança que uma educação pública que não trate todo mundo no processo como meros autômatos, é uma coisa ainda distante.


Justamente porque existe um esforço, não se trata só de uma má pedagogia, é também isolar e manter a atividade intelectual longe do povo. Isso significa também, restringir do trabalhador o conhecimento científico tornando os processos produtivos mais automatizados e mais irracionais.


Pegue o campo da TI, por exemplo, considerando um data center, é extremamente comum, por uma questão de tempo e de custo, os departamentos optarem por comprar pacotes de software prontos, raro os casos quando se trata de uma necessidade muito específica.


Os sistemas operacionais, os algoritmos de compressão de arquivos, etc, não raro são de empresas maiores de tecnologia como Google, Microsoft e Amazon, isso quando não terceirizam o trabalho de armazenamento de dados para essas empresas.


Ou seja, o trabalhador da TI não tem nenhum controle do código ou mesmo do hardware de um servidor que ele trabalha. De um lado, isso obviamente é uma puta de uma falha de segurança, do outro significa que o trabalhador tem menos controle sobre o trabalho que executa.


Pegando empregos que necessitam menos qualificações, você nota que é exatamente essa falta desse requisito, isto é, você não precisar ter determinados conhecimentos para executar tal trabalho, que os torna tão mal remunerados, com alta rotatividade e por consequência possuindo um grande exército de reserva de desempregados.


O que era antes o habilidoso alfaiate, dono de sua produção e mais importante, dominava os conhecimentos do que trabalhava, se tornou o precarizado, mal remunerado, pouco qualificado, vendedor de loja.


É fácil trocar um vendedor de loja, o mesmo não pode ser dito do alfaiate. Mas uma máquina pode substituir o alfaiate, porque a máquina automatiza o processo têxtil, o torna mecanizado e aumenta drasticamente a produção. Por enquanto a máquina não substitui o vendedor de loja, porque a venda é também um processo de conversação e de interação que a máquina não consegue substituir.


(Uma nota paralela : é interessante observar o programa The Wall do Luciano Hulk, ele tem exatamente essa lógica - se valoriza decorar frases, fatos randômicos , saber falar a “linguagem do investidor”, ter o “mindset”, conhecer nomes de gente famosa, ter lido o último best-seller de auto-ajuda, etc e mais importante, se trata de um jogo de sorte, não de habilidade. Pouco importa saber muito sobre alguma coisa ou possuir um conhecimento mais sólido sobre um assunto, já que no final mesmo, o que vai determinar um bom desempenho é a sorte. E em grande parte, “viver bem” no Brasil é mais uma questão de sorte do que qualquer tipo de inteligência, nem os mais pragmáticos sobrevivem à uma sociedade que vive dependendo da roda fortuna para tudo. É injusto que todo brasileiro não seja considerado santo, já que viver no Brasil só pode ser definido como milagre.)


Até o momento que chegamos nas IA. Hoje elas abrem uma nova possibilidade de automação : automação da interação humana. Isso já acontece no atendimento ao cliente, por exemplo, com os chatbots. Isso abre a possibilidade pro já precarizado vendedor, de também perder seu emprego.


Porém, a limitação faz com que ainda existam humanos no processo, vigiando as máquinas. No telemarketing, a máquina fez diminuir o pessoal, mas não tem capacidade técnica de lidar com os humanos por completo.


A única maneira do robô conseguir compreender o humano, fazendo o mesmo exercício da ciência positivista, é reduzir bem o seu objeto, recortar ele, o transformar em dados que possam ser interpretados. Um exemplo muito simples é o bot que atende nos sistemas de call-center : dentro das opções oferecidas ele é capaz de interagir perfeitamente, basta fugir um pouquinho que seja daquele roteiro, que ele passa a ser inútil e o atendente humano se faz necessário.


Numa outra escala, as IA generativas, são no máximo bots com muitas opções e com uma amostra grande o suficiente de roteiro para ser um interlocutor convincente. O robô Bumblebee do filme Transformers é a melhor analogia para o que faz um GPT : ele não sabe falar uma palavra sequer, mas ele tem um mapa de todas as expressões ditas nos rádios e forma suas frases a partir desse banco de dados.


Existem problemas que as máquinas não resolvem, existem necessidades que elas não atendem…


O que impede de surgir uma economia completamente automatizada, é justamente a limitação tecnológica e de certa forma, o poder político de certas categorias. Por exemplo, eu não acho que os advogados vão sucumbir tão rápido quanto os professores à substituição das máquinas. (sem contar que sem humanos, o que realmente vale alguma coisa ?)


O que nos leva à seguinte questão : se a automação pode nos liberar do trabalho, por que não defender a liberação de todos ? Por que quando um trabalhador perde seu emprego no processo produtivo, ele não é compensando de alguma forma por isso ? 


Aí meus caros, é uma questão política. O que realmente me pega, o problema é exatamente essa dificuldade tremenda de fazer essas questões ficarem claras.


É a ideologia, é, com certeza. Mas tem um elemento que sustenta a ideologia que é a materialidade. Nós temos capacidade de construir uma sociedade socialista ? Pense nos esforços políticos e científicos necessários para a gente construir o socialismo.


É completamente possível. É questão de tempo da gente descobrir o como, mas nada disso vem do nada, é preciso marchar em direção ao socialismo. Existe no cânone ocidental uma noção invertida, de que através do mero combate ideológico é possível mudar a realidade; quando o marxismo combate exatamente essa noção, é a materialidade que determina as ideias de um tempo.


Nesse aspecto, compreender a tecnologia é essencial. É através dela que interagimos com o mundo.