Por que você aposta sua vida fora ?

HeyWaitI got a new complaintForever in debt to your priceless advice.
 
Kurt Cobain
 
Venho acompanhando um pouco mais o jornalismo “progressista” (papel que muitos streamers acabam fazendo também) e sabe, vou dizer, fora algumas exceções, me faz falta ter informação, uma perspectiva mais trabalhada, estudada, literalmente textos melhores.

Eu sou dessas pessoas que estudam e lêem textos - não se preocupe, não sou nenhum tipo de alienígena. Então, para mim, é um universo de diferença entre um texto acadêmico razoável e mesmo uma boa reportagem jornalística. Obviamente, eu também sei que não se escreve da mesma forma num jornal e num texto acadêmico, cada estilo tem sua função.

Todavia, mesmo numa perspectiva de divulgação de conhecimento, o jornalismo não deveria supor que as pessoas são completamente estúpidas. Por exemplo, a gente deveria sempre buscar um novo escândalo de gente famosa para tentar apontar um problema na nossa sociedade ?

No momento que eu escrevo esse texto, rolou aí uma prisão preventiva (ou algo assim, eu literalmente me perdi já) de Deolane Bezerra e Gustavo Lima, duas figuras famosas que eu sinceramente pouco me interesso - Mas de repente, por conta de uma interpretação ruim dos tipos ideais de Max Weber, nós temos que lidar com jornalistas discutindo a mau caratisse (ou suposta) de certos indivíduos, ao invés de observar o todo social que faz aparecer esse tipo de pessoa (em Sloterdijk, as antropotécnicas; em Marx, os modos de produção).

Se trata a questão como se prender Deolane ou Gustavo Lima, resolvesse a questão das Bets, da economia de influência ser tão facilmente cooptada pelas Bets, o fato de no Brasil muitas vezes apostar seja mais fácil que ir arrumar um emprego formal. Se normalizou fazer acordos de trabalho informais ao ponto de se normalizar dar golpe como emprego, vender a fé como um trabalho, aceitar contratos de trabalho duvidosos por conta de desespero.

E sempre é assim, outro exemplo, se denuncia o deputado Nicolas Ferreira por transfobia - ok, é uma coisa que ele faz, mas eu não acho que a transfobia vai acabar se ele sumisse da face da terra - existe uma sociedade toda que cria pessoas como ele. Ele como indivíduo pode até ter um papel, mas é a sociabilidade que gera mais pessoas como ele. Podemos não concordar com o PL, mas é um fato que eles representam uma parcela da população - como que a gente cria uma parcela da população que reproduz esse tipo ideologia, a ponto, de ser formado um partido político que legisla, assume cargos na estrutura do Estado, mobiliza a sociedade em tornos desses debates ?

A estrutura das notícias é muito (fulano famoso) + crime = notícia bombástica , e isso é posto como informação. Os comentaristas políticos se resumem a falar da moral desses famosos e no máximo fazem uma sociologia batata pré-Comte. Digo até pré-Comte, porque nos positivistas, salve todos os “pecados” que eles tenham “cometido”, uma coisa que existe é sociedade - pouco interessa pro sociólogo o individual, tanto para se diferenciar da nascente psicologia.

É quase como se estivéssemos falando de maldições : é uma espécie de misticismo que atribui ao sujeito poderes, que ele só tem na prática porque existe em sociedade. Até pensando numa perspectiva do direito, fora toda a questão da lavagem de dinheiro que Deolane e Gustavo Lima estão sendo acusados, é fato que a imagem deles influencia as pessoas a consumirem o produto Bet - Tanto isso é verdade, que é justamente por isso que eles se tornaram a “cara” do produto que estava sendo vendido. É possível dizer que eles são responsáveis em influenciar pessoas a entrarem no mercado de apostas.

A questão individual criminal, que a PF investigue e que eles tenham o julgamento deles, que eles tenham os direitos garantidos e tal. Nesse sentido, sequer faz sentido desejar uma mudança de postura da justiça por meio de um “caso exemplar”. O que é importante discutir, se apostas são uma coisa considerada ruim, se você tem pesquisa que aponta o adoecimento mental, o endividamento das famílias, etc, o que permite que isso seja socialmente aceito ? Veja, é muito difícil, e assim, olhando empiricamente, sem ir muito a fundo, não comparar o mercado capitalista com um mercado de apostas.

A bolsa de valores é baseada em apostar se determinada ação vai subir ou descer, se aposta para ver se determinadas moedas vão valorizar, se põe dinheiro em fundos de investimento se apostando que eles vão oferecer determinado nível de retorno. Talvez a única diferença entre uma Bet e uma bolsa de valores, é que uma é legalizada e a outra não, pois inclusive práticas que poderíamos atribuir aos cassinos, poderíamos dizer que a bolsa de valores também faz. Até a barreira de entrada se tornou baixa : hoje você aposta em Bet e na bolsa de valores, com menos de 30 reais com um celular na palma da sua mão.

O que eu sinto que falta nas análises sobre o assunto é qual o papel que a Bet tem nisso ? Por exemplo, existe uma prática comum de se emprestar dinheiro usando o saldo do cartão de crédito - é uma forma de “sacar o saldo” que teria ao longo de meses. Será que a Bet não é reflexo do fato da renda estar cada vez mais instável com a economia informal ? Eu consigo ver emprestar o saldo do cartão de crédito como uma maneira de tentar driblar os juros mais altos do mundo em parcelas do cartão de crédito. Mas e a Bet ?

Eu não sou economista, no máximo sou uma estudante do assunto, mas eu vejo, o fato do debate sempre cair para uma caça às bruxas é porque o próprio meio de comunicação não espera do seu espectador uma capacidade crítica mínima. Claramente, o que eu percebo também desse debate, nem é a ilegalização das apostas, mas a sua regulamentação - o que pode tornar os problemas que falamos ainda piores.

OU SEJA, a tendência é normalizar AINDA MAIS ESSE TIPO DE COISA. Um outro lado que eu acho importante trazer nessa discussão é o mercado de influenciadores. Veja, fazendo uma comparação, ter influência na internet, é uma mistura de sorte com ter dinheiro para manter sua máquina de comunicação. O que não falta é gente influente desconhecida na internet, porque não basta conseguir os números, é preciso de alguma forma viralizar - isto é, de repente, ter seu conteúdo conhecido por todos mesmo de fora do seu nicho.

Acaba sendo uma economia baseada na sorte.

Temos o mercado de trabalho, que se informalizou demais, tornou a vida imprevisivel; Bet, loteria, jogo do bicho e a financeirização da economia, isto é, nossa economia cada vez mais se baseia em especulação, não em desenvolvimento material - num nível micro, estamos dizendo que é mais fácil ganhar dinheiro apostando numa loteria do que trabalhando, numa perspectiva macro, se movimenta mais dinheiro no capital especulativo do que no desenvolvimento das forças produtivas ; Nisso tudo, o que a internet trouxe à mesa, foi uma aceleração da informalidade, do empreendedorismo, um novo mercado de mídia, o mercado de influência, o mercado digital das compras digitais, etc, que é tão acelerado e incerto quanto a própria natureza da internet. O que temos aqui, meus caros ?

Uma coisa que é até uma frase clássica de Marx, “tudo que é sólido se desmancha no ar” - é exatamente nesse sentido que ele afirma que a economia capitalista se torna cada vez mais instável, as relações mais efêmeras, que as crises e bolhas econômicas se tornam mais constantes, as guerras imperialistas em nome da reprodução do capital tendem a aumentar, etc.

Faltam 5 dias das eleições e com muito esforço eu fiquei um pouco longe de tudo. E tendo que voltar obrigatoriamente, até porque vou precisar votar, é meio deprimente como que não se resolve a questão eleitoral no Brasil. Se diz que as eleições são uma farsa, ao mesmo tempo que os partidos são basicamente voltados para campanhas políticas nas eleições; se diz que a institucionalidade é desnecessária, ao mesmo tempo, não se consegue construir nada que sequer seja próximo de suprir nossas necessidades materiais fora do olho do Estado.

Uma hora se invoca Gramsci e Althusser para dizer que devemos lutar por espaços nas instituições; Outra, até num impulso meio anarquista, de que se deve construir movimentos fora das instituições. E veja, eu realmente não vejo nenhum movimento se decidindo qual caminho tomar ou com uma perspectiva clara do que é preciso fazer. É engraçado que a falta de direção é generalizada, nem o próprio Estado brasileiro sabe o que quer de si. Essa mesma desorganização vemos nas instituições públicas. 

Talvez por isso a gente tenha tanta gente tentando se tornar profeta, ninguém sabe para onde ir e qualquer um que diga que sabe alguma coisa do que fazer (mesmo sem provar nada) já é melhor do que ficar sem direção nenhuma.



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