Lula neoliberal e a esquerda : ou sobre o debate público como alienante


Recentemente, num podcast aí, Jones Manoel disse que Lula é neoliberal. Isso causou um debate no pior site do mundo (twitter, que parece ser o único lugar que o petismo sabe ocupar) sobre a veracidade dessa afirmação.

É foda porque é um debate que começa viciado. Para uma ciência política liberal conservadora, do qual muita gente que se diz de esquerda adota no Brasil, o governo Lula/petista de uma forma geral, seria de esquerda só pelo fato de interferir na economia.

Ou seja, não importa que a política econômica seja a favor da financeirização e de uma lógica agro exportadora na economia, só o fato de ter a política já é algo a ser chamado de progressista nesse vocabulário político. E isso tem muitos problemas.

Apaga o fato de que os governos conservadores também fazem políticas públicas. Em uma perspectiva mais crítica, fazer política pública ou não, não é critério para determinar uma posição política, mas sim o caráter dessa medida política (que sempre vai existir).

Quem beneficia certas políticas, é isso que a gente precisa responder, isso seria o que eu chamei de caráter. Não importa sequer o nome do que a gente chama, o mais importante é compreender isso, o que cada política faz.

Isso não entra nem em questão de quem critica o Jones e o foco da crítica nem fica sendo tanto o governo Lula, mas quem falou que o governo é neoliberal.

Quando Jones aponta “Lula é neoliberal”, ele não está tentando falar da subjetividade, do íntimo, ou sei lá do que o pessoal acredita que o Lula seja; Ele está apontando que uma série de políticas públicas, ou seja, o conjunto da obra, de uma forma ele está tentando pedir que a gente faça uma reflexão sobre a governança de uma maneira geral, reproduz a política neoliberal, essa mesma política que a gente diz que é “progressista”.


É isso que está em jogo. Mas como sempre, caímos no limite do nosso debate público.


Aqui a gente acaba vendo o quanto o debate público, ao invés de servir para criar uma consciência popular, ele acaba sendo uma ferramenta de alienação. O debate em si é mero espetáculo, não tem uma consequência. Tanto por ter esse elemento alienante, como que politicamente tanto faz se existe uma boa crítica.

Nem o governo Lula vai mudar com essa crítica, nem a esquerda radical vai conseguir se mobilizar para pressionar se o governo não mudar. Enquanto por outro lado, a direita tem um lugar dentro da política econômica, ela pauta debates, ela pressiona, ela negocia e o governo cede, mesmo quando avança, faz sempre no limite da direita.

Por exemplo, Jones aponta que a criação do teto de gastos, ministro Haddad, lembrando que é considerado braço direito de Lula (era o chamado de fantoche de Lula em 2018), sentou com uma série de banqueiros para pensar essa política pública. Não falou com os movimentos sociais, nem mesmo os ligados com o PT, como a CUT, a fundação Perseu Abramo, MST, etc.

E se a gente olhar para o teto e quem ele beneficia, ele existe para diminuir as políticas públicas do Estado em favor de privatização, honrar uma dívida pública baseada em grande parte em juros e especulação financeira. Gente do céu, quem isso beneficia ? As elites financeiras.

Isso que eu acabei de descrever pouco importa para os tarados da semântica. O problema é a noção burra de que qualquer política pública é de esquerda, o outro problema é desviar o debate para uma discussão semântica e para, sei lá, querer apontar um erro na figura do Jones (e assim, ele não é ninguém perfeito, mas é incrível quanto nos comentários aos vídeos, mesmo em respostas como à críticas, como é o caso de Christian Dunker, pessoal precisa falar alguma questão pessoal do rapaz - Dunker mesmo, fez uma live quase chorando e precisou ficar falando da expulsão do PCB do Jones).

O grande elefante na sala é a nossa dificuldade de criar poder popular e o papel que o próprio PT tem em adestrar essa necessidade. Por um lado, é uma falha nossa, ter uma dificuldade de construir poder popular - por outro, a gente não pode deixar de lembrar que o PT virou o nosso horizonte de luta.

No sentido de que o máximo da nossa imaginação é limitada no que a política institucional petista delimitou. É querer uma política contra a fome, mas que não taxa, por exemplo, grandes proprietários de terras que especulam em cima da comida.

Não só não se resolvem os problemas, como uma política paliativa (que resolve parte do problema, está no caminho da solução, mas não o resolve por definitivo) é tratada como um horizonte definitivo.

A nossa dificuldade é não conseguir fazer política fora dessa formalidade política que se estabeleceu nos governos petistas. A própria forma de hoje o militante médio, mesmo o mais radical, de enxergar política é dentro, falando num termo meio velho, de uma caretice - de uma certa chatice, que é típica de uma militância liberal petista.

Infelizmente, até num aspecto estético, a nossa forma de agir, de homenagear os nossos, de discutir algumas questões, é muito parecida com o que a Globo faz, mesmo no programa reacionário do Luciano Huck.

Quem escapa dessa formalidade (me perdoe por não querer detalhar muito sobre isso, eu vou pedir para você assistir Luciano Huck e qualquer palestra, qualquer atividade de militância, e veja as semelhanças estéticas), geralmente é muito criticado e mal visto.

Há uma certa falta de ter um jeito nosso de fazer as coisas, nós ainda imitamos muito o que as propagandas de banco fazem, num sentido linguístico, de discurso, é a promessa de um futuro, um estilo de falar de algo esquecido ou inédito.

Por isso, a gente fica nesse tipo de marasmo infinito : toda semana tem uma coisa muito importante para discutir que na semana seguinte absolutamente todo mundo vai esquecer.

É para perguntar : fazer as coisas do jeito que a gente sempre fez, realmente tá dando algum resultado ?


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