Um breve comentário sobre Jones Manoel

Vou contar um segredo para vocês : quando a gente critica alguém ou algo, é porque nos toca de alguma forma. Isso acontece comigo no Jones, como acontece com o Lula e quando ele critica o Lula. Trazer o fantasma do Brizola e do Darcy Ribeiro, tem uma certa função política e retórica no que Jones faz.

É fato que a esquerda brasileira tem dificuldade imensa em ter penetração de massa. Por uma série de razões que não vamos discutir aqui, no momento atual o que mais complica qualquer organização é a ordenação política neoliberal, que dificulta até mesmo coisas mais elementares, como uma coesão mínima dos movimentos, como cooptação de espaços de militância e pautas políticas, etc.

Então o Brasil acaba por reproduzir bastante da lógica liberal de ficar procurando grandes líderes, grandes homens, de dar muita fama para uma pessoa ao ponto da adoração religiosa. Não tem exemplo melhor disso que grupos de KPOP, por instância. É um nível de adoração que imita a adoração cristã em Deus.

Na política, você acaba por personificar muito as coisas. “Ah mas na URSS e na China” - sim, mas note que isso acontece mesmo lá por conta do passado liberal/feudal desses países. Não se constrói o socialismo sob o nada, muitos reflexos da sociedade capitalista permanecem e precisam ser feitas políticas para mudar esse tipo de coisa.

É preciso uma educação, etc. Nós não estamos numa sociedade socialista, não sei se você percebeu, então não vamos resolver esse tipo de traço cultural magicamente com críticas vazias ao personalismo. Assumir que existe isso e assumir que isso tem uma função política é importante para gente entender os problemas dessa tática.

O grande problema do personalismo é a individualização da política. Lula, por exemplo, não é um Deus, para que o que ele pensa e deseja fazer se faça real, ele precisa de uma organização social política para que isso aconteça. Às vezes, o próprio Lula esquece que as palavras não são mágicas e não criam as coisas do nada, para fazer uma palavra valer, é preciso fazer as coisas e ter quem faça as coisas. Adianta falar mal da austeridade com Haddad como ministro ?

E quando a gente olha para a figura de Brizola, Darcy, Lula e na mesma baila Jones, o grande problema de cada uma dessas figuras é exatamente o elemento de acreditar que falar coisas, por si só, é capaz de realizar uma mudança no mundo.

Nesse sentido, você vê claramente a influência, direta ou indireta de Leon Trotsky. Esqueçam essa conversa mole que Trotsky era um democrata americano, que ele queria fazer um socialismo com liberdade, etc, etc. Isso tem muito cara de propaganda ocidental para cooptar um movimento contra as experiências socialistas. Quer saber como ele pensava ? Leia os textos, simples assim.

Lênin (tem dois textos sobre isso, aqui e aqui), crítica senhor Trotsky muito por fazer grandes falas e tal, mas não ter muito o que contribuir no como fazer as coisas.

“O erro de Trótski é a unilateralidade, a impulsividade, o exagero e a obstinação. A plataforma de Trótski consiste em que o copo é um instrumento para beber, enquanto o copo em questão não tem fundo.”

Ou seja, ele defende plataformas que não se sustentam politicamente e não só, não tem um sentido prático de executar essas coisas. Nesse sentido, é um copo sem fundo. O movimento comunista brasileiro tem muito esse vício de propor umas quinhentas coisas sem poder fazer nem metade do que diz.

Aqui no Brasil, um país com raiz religiosa forte, chama atenção, faz as pessoas se mobilizarem, ter a figura de um messias prometendo o paraíso. O que Lula, Brizola e Darcy faziam vai muito nesse sentido, defender justiça social, prato na mesa, vacina no braço, boa educação, é uma coisa - fazer tem uma série de coisas a se considerar.

Eu vejo que Jones está indo para um caminho muito parecido nesse sentido, de querer de certa maneira, concentrar em si um totem, um fetiche de adoração que assim como Nossa Senhora, mobiliza e justifica toda guerra santa. Só que falta para Jones, assim como falta para partidos como PSOL (que tem umas perspectivas muito parecidas), a parte da organização social política com uma coordenação capaz de executar essas políticas.

Se Brizola e Lula conseguiram fazer certas coisas, é exatamente porque eles tiveram em algum momento esses quadros organizativos. É o militante anônimo (que morre e vocês nem ficam sabendo) que faz as coisas e faz a palavra do senhor no palanque se fazer como verdade. É aquela coisa, Bolsonaro nunca entrou numa escola para matar ninguém, mas ele tinha quem fizesse por ele. Na mesma medida, Lula nunca te deu pessoalmente um centavo do Bolsa família, foi necessário uma organização política estatal para que você recebesse esse dinheiro.

De um lado, é preciso entender que, apesar de uma série de contradições, você ter uma figura famosa que as pessoas gostam é importante para mobilizar as pessoas a fazerem as coisas, mas é preciso acima de tudo que exista uma organização para que as coisas sejam feitas. Os milagres da Igreja não aconteciam pela reza, mas pela prática dos seus padres, dos seus fiéis. É preciso entender isso de uma vez.

O que eu estou dizendo em outras palavras, em diferentes circunstancias nós deveriamos abolir completamente cristo, deus, etc. Mas a situação pede que a gente invente um novo Cristo e o use para os nossos fins políticos, que a gente tenha um Jesus, mas a gente precisa não cometer o erro de que isso sozinho é capaz de fazer as coisas acontecerem, é preciso de uma organização política, é necessário ter pessoas, ter quadros por aí.
 
PS : É no mínimo irônico ver o PSOL cobrar de Jones uma posição de fazer uma "Frente única", quando nem o próprio partido é uma frente única. O PSOL sofre do mesmo problema e não consegue perceber, e sinceramente, o mesmo vale pro "campo democrático" de uma forma geral - adianta estar no governo e repetir a política da burguesia ? (O texto do qual me refiro)