As contradições da esquerda radical

Vou basear grande parte do que vou escrever em três artigos do Educação revolucionária (esseesse e esse), e parte dos meus comentários é uma continuação do texto anterior sobre o Lula neoliberal.

Uma coisa que fica muito clara em relação ao chamado "campo democrático" é que eles não tem uma resposta para a direita. PT, PCdoB, PSOL e cia, mostram que em relação à própria estratégia eleitoral que eles resolveram adotar, existe uma incapacidade de planejar, disputar e conquistar novos eleitores.

Mesmo assumindo o governo (eu sei das limitações disso inclusive), eles cederam em todos os momentos para a direita, o ápice disso é a proposta, lembrando que por iniciativa do governo, de continuar a política fiscal de teto gastos.

"O amanhã é meu" Thatcher
Em tese, segundo eles mesmos, isso é realismo, isso é ser pragmático - mas o que você vê na prática, é perda de espaço e com a piora na economia (não precisa ser profeta para ver isso acontecendo, basta lembrar o que foram os anos Temer/Bolsonaro - que seguiam o teto de gastos e mesmo com furos, era uma merda - porque furavam para ganhar o congresso), é muito fácil ver a direita crescendo em cima do mesmo discurso da corrupção, “gastança” e blá blá liberal.

Ou seja, estamos com caminho aberto para o fascismo crescer de novo. O reformismo, como sempre, é um caminho insuficiente para lidar com o fascismo.

Quem deveria estar trabalhando mais do que nunca nas ruas, inclusive aproveitando da hegemonia petista e da própria popularidade da esquerda radical na internet, deveriam ser os partidos menores, com propostas mais radicais que o PT e cia propõe.

Não adianta chorar as pitangas e ficar lembrando do discurso de Mano Brown de 2018 : PT e cia, nunca vão voltar às bases do qual vieram. Podem até querer disputar aqui e ali, dentro das instituições, como sempre fazem e como ficou meio que a prática da esquerda liberal.

E mesmo que a gente queira que eles mudem, isso não vai acontecer agora. Então, a tarefa de tomar as ruas está nas mãos de quem se propõe a sair dessa formalidade institucional, desse positivismo jurídico atrasado, etc.

Se a gente sabe que eles não vão fazer - que a gente faça ! Eu sinto que muitas vezes, e isso é uma coisa muito comum para não ser um vício, o pessoal gosta muito de construir uma crítica sem uma proposta do que deveria ser feito ou pelo menos do que deveria mudar, ainda que a discordância fosse mínima.

Então, era para esperar de partidos como a UP, PCR, PCB (qualquer um dos dois), PSTU, até mesmo o infame PCO, no mínimo uma postura mais ativa do que fazer algumas críticas aqui e ali do neoliberalismo do Lula III, em palestras, vídeos, textos, etc (ainda é pequena viu, são muito casos isolados, a comunicação ainda não é organizada), mas também uma postura de tentar pelo menos ocupar mais espaços.

E mesmo que tenham tentado (eu sei o quão difícil isso é), tentar uma coisa diferente sabe. Uma coisa criticada em relação aos reformistas é que eles tem uma política liberal - ou seja, estamos falando que existe toda uma prática/linguagem liberal que é reproduzida na política adotada pelos reformistas.

Por outro lado, uma crítica comum à esquerda radical é que ela não tem uma política, uma linguagem, uma estética, própria. Muitos desses críticos, eu discordo veementemente em relação aos problemas da esquerda radical no mundo - mas nessa baila, os pós-modernos, a esquerda liberal e a esquerda radical, sofrem do mesmo problema : não existe uma forma de fazer política própria, uma linguagem, uma prática para dizer sua.

O PCB por exemplo, quando ocorreu o recente racha, repetiu novamente o que aconteceu tanto em 61, no racha que formou o PCdoB e uma série de partidos menores (indiretamente PCR e PCBR inclusive) e o racha dos anos 90 onde que fez surgir o PPS (atual Cidadania), onde quase perdeu a sigla.

O que se repetiu é a essa coisa de uma fração reformista querer deixar de ser revolucionária por um N motivo, e isso gerar um partido novo ou algum coletivo, ou coisa do tipo. 

Eu não sou dessas que nega as experiências socialistas, mas mais importante que inspirar nas suas lutas, é compreender as contingências históricas, as particularidades de cada uma dessas revoluções que deram certo e que também as que falharam. É ciência meus caros.

Não raro, o que você vê é uma prática muito imitadora de tendências de fora - o PCB que rachou em 61 e foi ouvir a conversa mole de Kruschev. O problema não era nem gostar de Kruschev, muito menos ouvir Stalin, mas uma dificuldade de ter uma prática própria, que não dependesse dessas oscilações internacionais.

Ou seja, além de faltar uma abordagem científica, o que falta na esquerda radical brasileira é ser brasileira. De estar aqui na nossa realidade, de parar de ficar emulando um brasileiro “popular” qualquer imaginário, mas também de respeitar os gostos mesmo que de fora da nossa cultura.

Se a esquerda acadêmica, pós-moderna e a liberal, não tem uma pretensão de se comunicar com a população - isso é uma questão deles, eles que se virem nessa questão. A esquerda radical sofre muito ainda de querer atingir uma camada pobre da população que ela imagina ser o pobre.

Ser pobre nem sempre é gostar de sertanejo, ouvir mpb e achar legal cultura afro. Às vezes o pobre é um moleque precarizado que gosta de League of Legends num computador antigo, ou uma mãe que ama ouvir Beyoncé, etc.

Ou você espera mesmo, numa sociedade informatizada, que elementos da cultura hegemônica não se tornem parte da cultura popular ? Eu acho muitas vezes mais produtivo o que algumas páginas fazem de pegar coisas populares, como memes, mesmo de coisas lá de fora, e fazerem uma colagem com uma mensagem brasileira.

No texto sobre a UP ficou claro a dificuldade do partido em perder alguns vícios antigos de tendências lá de fora. Nos sobre o RR, mesmo numa tentativa de romper com o reformismo e com o sectarismo do CC, repete a mesma prática de tomar decisões a portas fechadas, evitar debate público dentro do partido.

Dentre várias questões que foram postas nesses textos, eu fico pensando, o que vai ser da esquerda radical nesses próximos anos. Porque essas posturas demonstram uma certa falta de planejamento, de organização mesmo.

A gente sabe que o chamado campo democrático não tem ideia do que faz e não tem interesse nenhum em mudar de postura…Mas e a esquerda radical vai ser sempre uma versão que fala umas coisas diferentes, mas que imita as mesmas práticas da esquerda institucional ?

Mesmo em relação à comunicação, será que realmente essa repetição de fórmula ad nauseum de react vai funcionar para sempre ? Será que a gente não poderia adotar novos métodos de comunicação ?

Por exemplo, a gente não entendeu que é importante organizar a propaganda ? A Soberana é cheia de defeitos, mas ela teve algum resultado na disputa de idéias. Goste ou não dela, ela trouxe um paradigma novo para a política na esquerda - e mesmo ela, falha em nem sempre conseguir pautar o debate ou de organizar a sua comunicação melhor.

 Se o petismo com um partido infinitamente maior e agora com a máquina do Estado nas mãos, é incapaz de fazer uma propaganda decente, de tentar ganhar corações e mentes. Por que a gente não consegue fugir desse formalismo ? A gente sabe que não funciona continuar do mesmo jeito, por que a gente continua fazendo igual ?

A grande vantagem dessa situação que a esquerda radical se encontra é a capacidade de adaptação. Enquanto grupos maiores precisam de meses para implementar uma mudança, por conta do tamanho, em tese a esquerda radical conseguiria mudar e adaptar melhor as mudanças na política, justamente por ser pequena. Mas não é isso que acontece.

É engraçado que sempre tem uma crítica contra o personalismo e na prática isso mantém uma postura atrasada em relação à propaganda. Quer dizer, pode ser personalista com figuras antigas e já estabelecidas, enquanto não podemos formar novos líderes ?

A gente sabe todo o problema da adoração, mas a gente vai resolver um problema da cultura ocidental de uma hora para outra ? Não seria no mínimo interessante instrumentalizar esse tipo acontecimento cultural ?

Para mim, o que fica evidente é que a esquerda radical, por mais que aponte corretamente que o projeto neoliberal está fadado ao fracasso, ainda não tem o que pôr no lugar, mesmo que suba ao poder. Da mesma forma que o PT não tem o que fazer de diferente ou de novo, será que se a gente chegasse lá a gente teria alguma posição diferente ?

É essa armadilha que a gente vive no momento - e olha que eu nem falei do elefante chamado Lula. Não existe no horizonte, uma figura tão popular e carismática quanto Lula, quem a gente vai por no lugar ?

Isso é da propaganda de 2018...
O Haddad com todo aquele jeitão Faria Lima de consumidor da Amazon ?

Mano, olha essa propaganda que foi feita em 2018 pro Haddad presidente - olha essa vibe de "hello fellow kids". Um cara que claramente não tem nada de popular tentando ser popular.

O que a gente faz com essa crítica ? A gente avalia e vê o que a gente pode fazer onde a gente está. É como eu disse em outros momentos sobre o racha do PCB, não é para gente sair jogando pedra e jogar tudo que o partido construiu no lixo, é para gente olhar para essas contradições e tentar lutar para mudar.

A esquerda tem problemas, como toda organização humana, o que gente precisa ter é paciência e muita resiliência para construir uma mudança, assim como a gente fez com tudo que a gente construiu.

A gente olha para esses erros e olha para gente também, será que onde eu estou, eu não estou cometendo os mesmos erros ? É engraçado que na época do racha eu lembro de alguns militantes do PT, PSTU, cia, até alguns da UP, criticando o PCB e tal, sendo que eu aposto que muitos desses espaços de militância tinham os mesmos problemas (os textos que eu indiquei inclusive apontam muito isso).

É só você procurar, o que não falta hoje na era da internet, são algumas cartas de desligamento apontando basicamente as mesmas coisas em lugares diferentes.

No Brasil existe um arquétipo de ex-militante velho que distila anticomunismo, fatalista, que joga fora tudo o que a gente construiu no lixo, e que às vezes até se diz "progressista", mas odeia os partidos. Não sejamos essa pessoa.

O que eu quero deixar com esse texto é que partido de esquerda radical com proposta revolucionária não se constrói de uma hora para outra. A gente precisa de um lado, dar tempo ao tempo, ao passo que tenta melhorar a nossa organização.

Nesse momento, seria interessante aproveitar para tentar coisas, mudar a abordagem, aferir os resultados e ver o que funcionou, e melhorar, e repetir em outros lugares com as devidas adaptações. Vamos justificar o nome socialismo científico uma vez na vida ?



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