1. Não se aprende com uma história abstrata e com cinismo.
Já peço desculpas se ficou confuso.
Tem dois conceitos que eu quero que as pessoas entendam antes da gente entrar na discussão.
1.1 A história não ensina sozinha : O primeiro deles é que não existe essa de “aprender com a história”. Para se aprender com a história é necessário primeiro, estudar a história, e isso passa por uma compreensão da realidade, da memória, até de algumas ciências como a geografia e a biologia.
É no mínimo necessário, ter uma capacidade geral de entendimento do mundo - coisa que nós brasileiros falhamos absurdamente. Pode ser que alguém venha dizer que estou chamando as pessoas de burras de forma glorificada.
Mas veja, nós vivemos numa sociedade desindustrializada, com grande maioria dos trabalhadores precarizados, isto é, um serviços autônomos ou terceirizados. Isso significa também que a educação geral da população vai ser menor, já que estamos falando de empregos que não exigem curso superior, técnico, etc.
Você até pode estudar, mas dificilmente vai conseguir um emprego dentro da sua área. Por isso tantos engenheiros são motoristas de aplicativo.
Poucos conseguem uma boa qualificação e os que conseguem muitas vezes nem exercem uma função dentro do que são qualificados.
De uma forma geral, é difícil para a população, por exemplo de São Paulo ou de Porto Alegre, ter uma compreensão mínima da responsabilidade que uma gestão ruim tem nas condições da cidade.
Chove e tudo fica inundado, não há uma compreensão das mudanças climáticas, da política de subfinanciar estruturas públicas - esse raciocínio simplesmente não é feito. Existe hegemonicamente um tipo de pensamento mágico, que é herança do nosso passado (presente) religioso e da forma que a gente se afundou no capitalismo.
O dinheiro oculta as relações de produção - o modo mais explícito disso é o modelo de entregadores de aplicativo : Você aperta um botão e recebe sua comida, mal você sabe que existe toda uma infraestrutura de tecnologia, pessoal para entregar o produto, pessoas cozinhando aquela comida, pessoas que venderam a comida para o restaurante, etc - isso simplesmente desaparece quando você consome seu produto.
É uma relação mágica, “você usa um símbolo e invoca comida”. Então não deveria ser surpresa que o pensamento mágico, tanto por conta dessa relação, tanto por conta da religião em nossa sociedade, seja o pensamento hegemônico. A causa e o efeito não existem, é o mundo se movendo por forças misteriosas - a razão aqui não tem espaço.
Veja, as pessoas não olham para Bolsonaro mais e acham que má gestão dele na Covid foi responsável pelo aumento das mortes. Esse raciocínio, essa compreensão da responsabilidade de um governante em relação à gestão política do Estado, simplesmente, não é o tipo de pensamento que passa na cabeça das pessoas - no melhor dos casos, as pessoas acreditam que Bolsonaro foi uma vítima do “acaso”, do azar, em receber uma força da natureza daquela magnitude - “a vontade de Deus”.
1.2 Cinismo na política : O segundo conceito, é que é preciso parar de ter uma postura cínica em relação à política de uma maneira geral. Como assim ? Olha, você vai ver duas posturas principais nesse pós-eleição : aquele que acha que as eleições são uma farsa, que o jogo já está dado, etc, etc; e quem acha que faltou eleitoralismo, que faltou presença nas bases, a comunicação foi ruim, etc, etc. Essas são posições cínicas e extremamente conservadoras porque elas são imobilizadoras, veja, quando você diz que as eleições são uma farsa, você está dizendo que não importa o que seja feito, nós iremos sempre perder e que é impossível ter hegemonia popular numa democracia burguesa.
E veja, isso não é necessariamente verdade, apesar de tudo, a classe trabalhadora conseguiu encampar e conquistar direitos, apesar da ditadura da burguesia. Então mesmo que a eleição seja em grande parte influenciada pela burguesia, aqui e ali, conseguimos conquistar algum direito para não sermos destruídos de uma vez - vide carteira de trabalho, direitos trabalhistas, SUS, etc, etc. Essa postura da “farsa eleitoral” não afeta exclusivamente as eleições municipais e federais, afeta também a nossa consciência pública, de que não devemos fazer concursos, assumir cargos na máquina do Estado, não devemos tentar competir em associações de bairros e prefeituras-bairro, etc, etc.
Numa perspectiva política, sendo o mais seco e materialista possível, é tolice minha querer pessoas que seguem o mesmo projeto político que o meu, em todas as esferas da sociedade ? Eu to pouco me fudendo se isso é feio, bonito, etc, a questão é que na hora de atuar politicamente, é muito melhor tendo pessoas em cargos chave do Estado e em instituições da sociedade civil - isso nem é algo tão fora do senso comum, isso é o meu Gramsci mal lido, um Lênin de ouvido e uma leitura do Príncipe de Maquiavel.
A segunda postura é cínica porque ela dá valor extremo às ideias, como se elas tivessem propriedades mágicas e que basta as pessoas ouvirem nossas boas propostas para elas entrarem para o nosso lado. Essa conversa de voltar para as bases aparece desde 2018 e desde então todo mundo repete isso, sem ter uma metodologia de como “voltar para as bases”, sem nenhuma proposição real do que fazer.
Outro exemplo disso é essa questão do “problema de comunicação”. O problema não é de comunicação, é de não ter como por materialidade no que se diz. Veja, o PT no governo é bem comunicativo com quem interessa : os empresários e banqueiros, que é quem na prática vai comprar o projeto político nem que seja de forma temporária e oportunista. Se realmente houvesse interesse em se comunicar com a população, a esquerda liberal não aparecia só em tempo de eleição.
Existe, portanto, um foco excessivo no jogo eleitoral, a ponto de que se ignora todo o resto da atividade política. Por isso é uma posição cínica, é como se você dissesse : “para que eu vou ficar fazendo militância e tentando ganhar apoio do povo, se quem manda mesmo são os empresários desse país ?”.
Meu ponto principal em relação a esse conceito é que não adianta atuar politicamente pensando de forma cínica, o cinismo é justamente quem abaixa as calças da formalidade social. Se você quer atuar politicamente, primeiro lugar, isso precisa ter alguns valores, é preciso no mínimo ter um projeto de sociedade, se você só nega isso e assimila ou deixa de participar, você está basicamente minando sua própria atuação política (se é isso que você quer).
Se você se assimila, você reproduz a lógica hegemônica; Se você só nega tudo, você deixa de atuar.
2. É preciso mais do que falar bonito : Dito isso, o que eu realmente quero trazer é esse ponto : política precisa parar de ser discutida sem um propósito material. É óbvio que a urbanização desorganizada, a destruição da natureza para fazer plantações improdutivas e desertos verdes, que a desorganização do mercado de trabalho, etc, que tudo isso, vai tendencialmente tornar a vida mais insalubre.
E o que se discute na política são muito “soluções mágicas” e muito pouco projetos que se podem entrar hoje, agora, e começar a alterar a realidade. De um lado, você tem gente que acha que basta “privatizar” que mágicamente os serviços públicos vão melhorar, do outro você tem gente que acha que basta fazer política pública meia boca (para não desagradar o centro né) para resolver problemas estruturais.
Me desculpe assim, para mim isso é pensamento mágico. Nós precisamos pagar nossas contas, lidar com falta de renda, emprego, fome, problemas climáticos, etc - essas conversas mole, não vão levar ninguém para lugar nenhum e a gente sabe, nós estamos cansados de saber disso. Por isso as pessoas não se interessam tanto em discussão política, ela é abstrata, além de claro, que a discussão de verdade acontece sob portas fechadas nos famosos jantares longe de todo mundo - isso torna a discussão pública praticamente inútil, já que quem decide muitas vezes, o que fazer, como fazer, etc, são “os técnicos” da ditadura burguesa.
Sabe, o que me pega é que as pessoas esperam que todo mundo vá se organizar politicamente “por boa vontade”, como se bastasse se sentir revoltado ou algo do tipo. Não adianta a gente construir militância política se essa militância, muitas vezes, não consegue sustentar, proteger, cuidar, dos próprios militantes. As emoções são importantes na prática política, mas é mais importante ainda, ter capacidade organizativa para usar dessas emoções.
É tão óbvio que entrar num sindicato, num partido político, é algo que pode, por exemplo, dificultar sua busca por emprego, ou desencadear assédio em espaços de trabalho, espaços públicos, etc. Será mesmo, que ainda que revoltados, as pessoas estão dispostas a terem que correr esses riscos ? Será que isso precisa ser um risco ? (eu nem cheguei na questão das mortes no campo - morre gente e nós nem ficamos sabendo porque isso não aparece em canto algum - recomendo que acompanhem a AND)
Tem a questão também do tempo. A maioria das pessoas trabalha excessivamente nesse país e ainda, nós precisamos acumular função em toda nossa militância que fazemos. Precisamos mesmo tanto nos sacrificar tanto ? Não é muito cristianismo ? Não é querer ser santo demais ?
Esse acúmulo de função não causa problema só para o indivíduo que faz isso, é um problema coletivo, não se socializa o conhecimento das tarefas e basta essa pessoa ter um dia ruim, ou adoecer, para toda uma organização parar de funcionar. E nem venha apontar dedos para organização do amiguinho, isso é um problema generalizado. Veja, esse comportamento, muito possivelmente, tem raiz na precarização do trabalho : Em nossos empregos acumulamos funções justamente para o empregador não ter que contratar mais pessoas.
O começo da mudança só vai vir quando a gente conseguir construir redes de apoio mútuo e parar de achar que se faz política só com ideias bonitas e boa vontade. É preciso ter um mínimo de “imediatismo” para traçar um caminho para uma solução permanente.
Até por um certo azar, eu acabei vendo um pouco a campanha de São Paulo de Boulos. Veja, o que a deu a diferença dos votos, foi justamente essa parcela do eleitorado que não enxerga na política como um caminho para mudança real e por quem vê em Nunes, “uma governabilidade mais viável”.
Me pega como que não houve (até onde eu tenha ouvido), um grupo de pessoas e tal, que se dispôs em se organizar para dividir eletricidade, guardar alimentos, mesmo uma organização jurídica para processar juridicamente a ENEL e a inabilidade da prefeitura (nem que seja só para ganhar dinheiro em cima desses processos mesmo), etc, etc, etc. Veja, isso é atuar politicamente, você se organiza com grupos de pessoas para determinados fins em comum - a eleição é uma parte muito pequena disso·
O que eu fico vendo é que Sr. Boulos tem cargo de deputado, etc, mas esse ele ter o cargo, realmente trouxe algum saldo positivo para o movimento do qual ele fazia parte ? A vontade do movimento foi expressa através dele, e assim, é foda que falam dessa eleição de Boulos em São Paulo, praticamente desde 2022 e aí Boulos só aparece para fazer campanha. Como isso soa ? Como isso parece para as pessoas ? Não parece só oportunismo de repente ele só aparecer nas eleições ? As pessoas enxergam esse tipo de coisa, é um dos motivos das pessoas não separarem políticos mesmo do PT/PSOL como meros “ladrões corruptos”. É uma falsidade que acaba “se tornando verdade” porque exatamente, o modus operandi deles acaba sendo literalmente o mesmo de políticos invisíveis da estirpe do centrão.
O que eu pus no começo desse texto é importante e é parte dessa dinâmica social. O pensamento mágico e a falta de compreensão da realidade com certeza beneficiaram Nunes, mas essa ideia do “gestor”, nem que seja apenas como título vazio, foi o que fez ele ser o favorito desde o início.
É o realismo capitalismo, essa ideia de que o capitalismo é o único modo de produção, e que basta gerir, “otimizar” o sistema, melhorar sua performance que inevitavelmente nossa vida vai melhorar. Fisher demonstra exatamente, que é essa é a ideologia que guia nossa cultura atual, o nosso limite do que pode ser feito e imaginado.
Só realmente se quebra isso, com uma prática material que supere essa (des)organização capitalista. Isto é, com organização revolucionária. Caiu o muro de Berlim, falaram que o comunismo morreu, por que Cuba e a Coreia Popular continuam em pé ? Por que existe MST no Brasil ainda ? Como que um partido de esquerda radical como a UP surgiu mesmo no governo Bolsonaro ?
Aqui você pode achar feio, fazer cara de nojo, etc, etc, mas é fato que essas organizações se mantiveram ou surgiram em clima de derrota geral para a esquerda. É preciso de uma vez compreender que de um lado, será que tudo o que o PT faz é tão descartável assim ? Será que a gente não pode aprender uma coisa ou outra ? E tipo, será que adianta também chegar ao poder da forma que o PT chegou ?
Isso é uma pergunta que precisamos fazer antes de sair por aí saqueando os espólios políticos do PT e mesmo do trabalhismo. Veja, tanto o trabalhismo como o “petismo” foram hegemônicos por décadas nesse país, fazendo um balanço, será que eles foram mais eficazes em trazer mudanças que outras formas de organização e política popular ? A gente realmente precisa mais Lulas ?
É muito interessante que Jones Manoel quer ser um novo Brizola, enquanto Boulos claramente quer ser um novo Lula. O que isso vai mudar na ponta, na militância de bairro, de rua, da polis ? Que tipo de organização vamos ter ? Quais medidas podemos tomar hoje para proteger a população e nossos militantes ? É uma crítica a eles, para gente pensar justamente, se a gente precisa repetir de novo Brizola/Lula - será que a gente não precisa de algo novo ? Então, tem outra questão, será que a gente não precisa na verdade do Boulos sendo o Boulos, o Jones sendo Jones, ao invés de uma imitação barata de políticos do passado ?
São questões importantes de responder, porque não tem mais essa coisa de “a crise climática vai chegar”, ou “as crises do capitalismo vão surgir”, etc, etc - nós já estamos vivendo nesse futuro distópico. É preciso atuar o quanto antes.
3. Ideias preliminares para o futuro : O cenário principal, certeza, vai ser de água batendo na bunda. Literalmente, claro, mas também no sentido metafórico, no sentido de que cada vez mais esses discursos vazios vão tender a serem abandonados por movimentos que conseguem minimamente “fazer coisas”.
Não adianta você prometer uma casa, comida, uma proteção daqui 20 anos - com as crises do capitalismo cada vez mais constantes é fato de que viver vai se tornar mais difícil e é difícil se organizar politicamente se estiver constantemente em estado de vida ou morte. Fato é que vai vencer quem conseguir oferecer uma rede de apoio e segurança, a ponto de substituir a ausência das políticas públicas do Estado.
O que se desenha, como sempre, é um 2025 frio, todo mundo esquecendo de fazer política e um 2026 quente, chato para kct como 2024. Só que alguma coisa diferente vai precisar ser feita, por questão de literal sobrevivência, essa é a nossa tarefa para os próximos meses. Sabe, passou aquela época que você prometia e prometia, fazia um monte de discurso vazio, e conseguia agregar as pessoas.
Vou recomendar o Jones falando do mesmo tema esses dias.
Já peço desculpas se ficou confuso.
Tem dois conceitos que eu quero que as pessoas entendam antes da gente entrar na discussão.
1.1 A história não ensina sozinha : O primeiro deles é que não existe essa de “aprender com a história”. Para se aprender com a história é necessário primeiro, estudar a história, e isso passa por uma compreensão da realidade, da memória, até de algumas ciências como a geografia e a biologia.
É no mínimo necessário, ter uma capacidade geral de entendimento do mundo - coisa que nós brasileiros falhamos absurdamente. Pode ser que alguém venha dizer que estou chamando as pessoas de burras de forma glorificada.
Mas veja, nós vivemos numa sociedade desindustrializada, com grande maioria dos trabalhadores precarizados, isto é, um serviços autônomos ou terceirizados. Isso significa também que a educação geral da população vai ser menor, já que estamos falando de empregos que não exigem curso superior, técnico, etc.
Você até pode estudar, mas dificilmente vai conseguir um emprego dentro da sua área. Por isso tantos engenheiros são motoristas de aplicativo.
Poucos conseguem uma boa qualificação e os que conseguem muitas vezes nem exercem uma função dentro do que são qualificados.
De uma forma geral, é difícil para a população, por exemplo de São Paulo ou de Porto Alegre, ter uma compreensão mínima da responsabilidade que uma gestão ruim tem nas condições da cidade.
Chove e tudo fica inundado, não há uma compreensão das mudanças climáticas, da política de subfinanciar estruturas públicas - esse raciocínio simplesmente não é feito. Existe hegemonicamente um tipo de pensamento mágico, que é herança do nosso passado (presente) religioso e da forma que a gente se afundou no capitalismo.
O dinheiro oculta as relações de produção - o modo mais explícito disso é o modelo de entregadores de aplicativo : Você aperta um botão e recebe sua comida, mal você sabe que existe toda uma infraestrutura de tecnologia, pessoal para entregar o produto, pessoas cozinhando aquela comida, pessoas que venderam a comida para o restaurante, etc - isso simplesmente desaparece quando você consome seu produto.
É uma relação mágica, “você usa um símbolo e invoca comida”. Então não deveria ser surpresa que o pensamento mágico, tanto por conta dessa relação, tanto por conta da religião em nossa sociedade, seja o pensamento hegemônico. A causa e o efeito não existem, é o mundo se movendo por forças misteriosas - a razão aqui não tem espaço.
Veja, as pessoas não olham para Bolsonaro mais e acham que má gestão dele na Covid foi responsável pelo aumento das mortes. Esse raciocínio, essa compreensão da responsabilidade de um governante em relação à gestão política do Estado, simplesmente, não é o tipo de pensamento que passa na cabeça das pessoas - no melhor dos casos, as pessoas acreditam que Bolsonaro foi uma vítima do “acaso”, do azar, em receber uma força da natureza daquela magnitude - “a vontade de Deus”.
1.2 Cinismo na política : O segundo conceito, é que é preciso parar de ter uma postura cínica em relação à política de uma maneira geral. Como assim ? Olha, você vai ver duas posturas principais nesse pós-eleição : aquele que acha que as eleições são uma farsa, que o jogo já está dado, etc, etc; e quem acha que faltou eleitoralismo, que faltou presença nas bases, a comunicação foi ruim, etc, etc. Essas são posições cínicas e extremamente conservadoras porque elas são imobilizadoras, veja, quando você diz que as eleições são uma farsa, você está dizendo que não importa o que seja feito, nós iremos sempre perder e que é impossível ter hegemonia popular numa democracia burguesa.
E veja, isso não é necessariamente verdade, apesar de tudo, a classe trabalhadora conseguiu encampar e conquistar direitos, apesar da ditadura da burguesia. Então mesmo que a eleição seja em grande parte influenciada pela burguesia, aqui e ali, conseguimos conquistar algum direito para não sermos destruídos de uma vez - vide carteira de trabalho, direitos trabalhistas, SUS, etc, etc. Essa postura da “farsa eleitoral” não afeta exclusivamente as eleições municipais e federais, afeta também a nossa consciência pública, de que não devemos fazer concursos, assumir cargos na máquina do Estado, não devemos tentar competir em associações de bairros e prefeituras-bairro, etc, etc.
Numa perspectiva política, sendo o mais seco e materialista possível, é tolice minha querer pessoas que seguem o mesmo projeto político que o meu, em todas as esferas da sociedade ? Eu to pouco me fudendo se isso é feio, bonito, etc, a questão é que na hora de atuar politicamente, é muito melhor tendo pessoas em cargos chave do Estado e em instituições da sociedade civil - isso nem é algo tão fora do senso comum, isso é o meu Gramsci mal lido, um Lênin de ouvido e uma leitura do Príncipe de Maquiavel.
A segunda postura é cínica porque ela dá valor extremo às ideias, como se elas tivessem propriedades mágicas e que basta as pessoas ouvirem nossas boas propostas para elas entrarem para o nosso lado. Essa conversa de voltar para as bases aparece desde 2018 e desde então todo mundo repete isso, sem ter uma metodologia de como “voltar para as bases”, sem nenhuma proposição real do que fazer.
Outro exemplo disso é essa questão do “problema de comunicação”. O problema não é de comunicação, é de não ter como por materialidade no que se diz. Veja, o PT no governo é bem comunicativo com quem interessa : os empresários e banqueiros, que é quem na prática vai comprar o projeto político nem que seja de forma temporária e oportunista. Se realmente houvesse interesse em se comunicar com a população, a esquerda liberal não aparecia só em tempo de eleição.
Existe, portanto, um foco excessivo no jogo eleitoral, a ponto de que se ignora todo o resto da atividade política. Por isso é uma posição cínica, é como se você dissesse : “para que eu vou ficar fazendo militância e tentando ganhar apoio do povo, se quem manda mesmo são os empresários desse país ?”.
Meu ponto principal em relação a esse conceito é que não adianta atuar politicamente pensando de forma cínica, o cinismo é justamente quem abaixa as calças da formalidade social. Se você quer atuar politicamente, primeiro lugar, isso precisa ter alguns valores, é preciso no mínimo ter um projeto de sociedade, se você só nega isso e assimila ou deixa de participar, você está basicamente minando sua própria atuação política (se é isso que você quer).
Se você se assimila, você reproduz a lógica hegemônica; Se você só nega tudo, você deixa de atuar.
2. É preciso mais do que falar bonito : Dito isso, o que eu realmente quero trazer é esse ponto : política precisa parar de ser discutida sem um propósito material. É óbvio que a urbanização desorganizada, a destruição da natureza para fazer plantações improdutivas e desertos verdes, que a desorganização do mercado de trabalho, etc, que tudo isso, vai tendencialmente tornar a vida mais insalubre.
E o que se discute na política são muito “soluções mágicas” e muito pouco projetos que se podem entrar hoje, agora, e começar a alterar a realidade. De um lado, você tem gente que acha que basta “privatizar” que mágicamente os serviços públicos vão melhorar, do outro você tem gente que acha que basta fazer política pública meia boca (para não desagradar o centro né) para resolver problemas estruturais.
Me desculpe assim, para mim isso é pensamento mágico. Nós precisamos pagar nossas contas, lidar com falta de renda, emprego, fome, problemas climáticos, etc - essas conversas mole, não vão levar ninguém para lugar nenhum e a gente sabe, nós estamos cansados de saber disso. Por isso as pessoas não se interessam tanto em discussão política, ela é abstrata, além de claro, que a discussão de verdade acontece sob portas fechadas nos famosos jantares longe de todo mundo - isso torna a discussão pública praticamente inútil, já que quem decide muitas vezes, o que fazer, como fazer, etc, são “os técnicos” da ditadura burguesa.
Sabe, o que me pega é que as pessoas esperam que todo mundo vá se organizar politicamente “por boa vontade”, como se bastasse se sentir revoltado ou algo do tipo. Não adianta a gente construir militância política se essa militância, muitas vezes, não consegue sustentar, proteger, cuidar, dos próprios militantes. As emoções são importantes na prática política, mas é mais importante ainda, ter capacidade organizativa para usar dessas emoções.
É tão óbvio que entrar num sindicato, num partido político, é algo que pode, por exemplo, dificultar sua busca por emprego, ou desencadear assédio em espaços de trabalho, espaços públicos, etc. Será mesmo, que ainda que revoltados, as pessoas estão dispostas a terem que correr esses riscos ? Será que isso precisa ser um risco ? (eu nem cheguei na questão das mortes no campo - morre gente e nós nem ficamos sabendo porque isso não aparece em canto algum - recomendo que acompanhem a AND)
Tem a questão também do tempo. A maioria das pessoas trabalha excessivamente nesse país e ainda, nós precisamos acumular função em toda nossa militância que fazemos. Precisamos mesmo tanto nos sacrificar tanto ? Não é muito cristianismo ? Não é querer ser santo demais ?
Esse acúmulo de função não causa problema só para o indivíduo que faz isso, é um problema coletivo, não se socializa o conhecimento das tarefas e basta essa pessoa ter um dia ruim, ou adoecer, para toda uma organização parar de funcionar. E nem venha apontar dedos para organização do amiguinho, isso é um problema generalizado. Veja, esse comportamento, muito possivelmente, tem raiz na precarização do trabalho : Em nossos empregos acumulamos funções justamente para o empregador não ter que contratar mais pessoas.
O começo da mudança só vai vir quando a gente conseguir construir redes de apoio mútuo e parar de achar que se faz política só com ideias bonitas e boa vontade. É preciso ter um mínimo de “imediatismo” para traçar um caminho para uma solução permanente.
Até por um certo azar, eu acabei vendo um pouco a campanha de São Paulo de Boulos. Veja, o que a deu a diferença dos votos, foi justamente essa parcela do eleitorado que não enxerga na política como um caminho para mudança real e por quem vê em Nunes, “uma governabilidade mais viável”.
Me pega como que não houve (até onde eu tenha ouvido), um grupo de pessoas e tal, que se dispôs em se organizar para dividir eletricidade, guardar alimentos, mesmo uma organização jurídica para processar juridicamente a ENEL e a inabilidade da prefeitura (nem que seja só para ganhar dinheiro em cima desses processos mesmo), etc, etc, etc. Veja, isso é atuar politicamente, você se organiza com grupos de pessoas para determinados fins em comum - a eleição é uma parte muito pequena disso·
O que eu fico vendo é que Sr. Boulos tem cargo de deputado, etc, mas esse ele ter o cargo, realmente trouxe algum saldo positivo para o movimento do qual ele fazia parte ? A vontade do movimento foi expressa através dele, e assim, é foda que falam dessa eleição de Boulos em São Paulo, praticamente desde 2022 e aí Boulos só aparece para fazer campanha. Como isso soa ? Como isso parece para as pessoas ? Não parece só oportunismo de repente ele só aparecer nas eleições ? As pessoas enxergam esse tipo de coisa, é um dos motivos das pessoas não separarem políticos mesmo do PT/PSOL como meros “ladrões corruptos”. É uma falsidade que acaba “se tornando verdade” porque exatamente, o modus operandi deles acaba sendo literalmente o mesmo de políticos invisíveis da estirpe do centrão.
O que eu pus no começo desse texto é importante e é parte dessa dinâmica social. O pensamento mágico e a falta de compreensão da realidade com certeza beneficiaram Nunes, mas essa ideia do “gestor”, nem que seja apenas como título vazio, foi o que fez ele ser o favorito desde o início.
É o realismo capitalismo, essa ideia de que o capitalismo é o único modo de produção, e que basta gerir, “otimizar” o sistema, melhorar sua performance que inevitavelmente nossa vida vai melhorar. Fisher demonstra exatamente, que é essa é a ideologia que guia nossa cultura atual, o nosso limite do que pode ser feito e imaginado.
Só realmente se quebra isso, com uma prática material que supere essa (des)organização capitalista. Isto é, com organização revolucionária. Caiu o muro de Berlim, falaram que o comunismo morreu, por que Cuba e a Coreia Popular continuam em pé ? Por que existe MST no Brasil ainda ? Como que um partido de esquerda radical como a UP surgiu mesmo no governo Bolsonaro ?
Aqui você pode achar feio, fazer cara de nojo, etc, etc, mas é fato que essas organizações se mantiveram ou surgiram em clima de derrota geral para a esquerda. É preciso de uma vez compreender que de um lado, será que tudo o que o PT faz é tão descartável assim ? Será que a gente não pode aprender uma coisa ou outra ? E tipo, será que adianta também chegar ao poder da forma que o PT chegou ?
Isso é uma pergunta que precisamos fazer antes de sair por aí saqueando os espólios políticos do PT e mesmo do trabalhismo. Veja, tanto o trabalhismo como o “petismo” foram hegemônicos por décadas nesse país, fazendo um balanço, será que eles foram mais eficazes em trazer mudanças que outras formas de organização e política popular ? A gente realmente precisa mais Lulas ?
É muito interessante que Jones Manoel quer ser um novo Brizola, enquanto Boulos claramente quer ser um novo Lula. O que isso vai mudar na ponta, na militância de bairro, de rua, da polis ? Que tipo de organização vamos ter ? Quais medidas podemos tomar hoje para proteger a população e nossos militantes ? É uma crítica a eles, para gente pensar justamente, se a gente precisa repetir de novo Brizola/Lula - será que a gente não precisa de algo novo ? Então, tem outra questão, será que a gente não precisa na verdade do Boulos sendo o Boulos, o Jones sendo Jones, ao invés de uma imitação barata de políticos do passado ?
São questões importantes de responder, porque não tem mais essa coisa de “a crise climática vai chegar”, ou “as crises do capitalismo vão surgir”, etc, etc - nós já estamos vivendo nesse futuro distópico. É preciso atuar o quanto antes.
3. Ideias preliminares para o futuro : O cenário principal, certeza, vai ser de água batendo na bunda. Literalmente, claro, mas também no sentido metafórico, no sentido de que cada vez mais esses discursos vazios vão tender a serem abandonados por movimentos que conseguem minimamente “fazer coisas”.
Não adianta você prometer uma casa, comida, uma proteção daqui 20 anos - com as crises do capitalismo cada vez mais constantes é fato de que viver vai se tornar mais difícil e é difícil se organizar politicamente se estiver constantemente em estado de vida ou morte. Fato é que vai vencer quem conseguir oferecer uma rede de apoio e segurança, a ponto de substituir a ausência das políticas públicas do Estado.
O que se desenha, como sempre, é um 2025 frio, todo mundo esquecendo de fazer política e um 2026 quente, chato para kct como 2024. Só que alguma coisa diferente vai precisar ser feita, por questão de literal sobrevivência, essa é a nossa tarefa para os próximos meses. Sabe, passou aquela época que você prometia e prometia, fazia um monte de discurso vazio, e conseguia agregar as pessoas.
Vou recomendar o Jones falando do mesmo tema esses dias.
Por enquanto é isso.
Eu vou escrever mais sobre isso ainda, preciso terminar o texto que eu prometi sobre o The Fixer e o fim da trilogia tentando propor coisas.