ᴺᵒᵗᵃ ˢᵒᵇʳᵉ ᵖᵉˢˢⁱᵐⁱˢᵐᵒ

Eu gosto de histórias mais dark. Acho que a complexidade, as reflexões, os insights sobre o mundo real, são as coisas que mais me atraem.

Mas esse tipo de história sofre de alguns vícios. O padrão é sempre o mesmo : o mundo é cruel, escuro, sem sentido e não há nada o que fazer. Os poderosos são muito poderosos, não há o que fazer. As pessoas são muito egoístas. Há coisas acontecendo por trás que não sabemos !

Qual é o problema desse vício ? O real como um conceito, assim como a verdade, para ser real precisa corresponder a uma série de requisitos para ser tratado como verdadeiro.


Eu posso muito bem afirmar que uma história realista precisa ter sempre um elefante voador, se esse for meu critério de real. Ou seja, o real ou o que chamamos de realidade, têm critérios completamente arbitrários.


E sim, estou te dizendo que a sua mente te engana, que os valores sociais construídos definem o seu entendimento de mundo.


Na prática nós passamos muito mais por situações que jamais saberemos se são verdadeiras ou não. Há uma hipervalorização da discussão sobre a verdade. O que mais me incomoda nessas histórias é uma posição meio "meu mundo não é real ?", "será que as pessoas estão mentindo ?".


(O correto seria eu sair falando um monte de conto e autor para apontar o que eu estou falando. Mas sinceramente, cansada de escrever cheia de amarra. Você acha esses padrões do que eu critico muito em autores como Rorty, Nietzsche)


Muitas dessas histórias são movidas por perguntas como essas. Histórias de espionagem são cheias de idas e vindas, conflitos de interesse, sedução, disputas de poder, traições e o grande problema é sempre esse estatuto da verdade.


Como espião, o que fazer ? Note que a própria discussão moral passa pelo mesmo marcador de verdade, o que é certo ou errado ?


Questão é que se formos mais a fundo nesse buraco, começamos a perguntar se tudo não é uma alucinação, se não estamos dentro de algum tipo de simulação high-tech, etc. Acabamos por trazer perguntas impossíveis de verificar.


Vamos partir da pergunta : o mundo não é real. Se a gente sentar e listar as coisas que podem distorcer a nossa percepção, coisas que nós fazemos com nós mesmos e o mundo faz conosco, nós chegaríamos à conclusão de que nós nunca saberemos o que é real.


A filosofia clássica veria isso como um problema a resolver. Temos que descobrir como descobrir a verdade. A grande questão é que isso não importa tanto assim. O que é real, não importa quando estamos escovando os nossos dentes.


O grande debate sobre o real não é uma questão cotidiana. O que acontece é que nós aprendemos a viver nessa confusão entre realidade e ficção, nós chegamos a um ponto de sofisticação tal, que a gente cria ficções para puro entretenimento (até pelo tipo de sociedade que construímos, note-se).


Se a verdade fosse uma questão tão importante quanto os filósofos gostam de fazer parecer, nós não teríamos uma sociedade tão fixada em suas ficções e elas tem uma grande importância em decidir questões importantes em nossa vida.


Volto lá atrás nas perguntas, todo mundo mente, nada é verdadeiro, tudo é uma simulação, tudo é uma alucinação, etc, etc. Em certa medida, tudo isso é verdadeiro e não importa, se a gente levasse a sério esse tipo de verdade, derrotaria o propósito de socializar, por exemplo.


Se você já entra numa relação com medo da mentira, sinto-lhe informar que você nunca vai se relacionar. Claro, podemos aqui gastar horas falando de traição, mas essa nem é uma mentira tão grande, estou falando das fantasias, os sonhos, as frases, os nossos conceitos de amor, família, etc, que inventamos.


Namorar, dentre várias coisas, é também viver uma fantasia do amor, as pessoas tentando viver um filme, um conto, só que na vida delas. A ideia do romance, é o que acaba com muito relacionamento, por uma razão muito simples : as pessoas querem viver uma ilusão.


A própria ideia de desvelar "verdades ocultas" é uma ficção. É isso que precisamos entender. "A mídia mente" - isso não é nenhuma novidade, a grande questão é como, onde, porque.


Por isso, eu acho que Maquiavel uma leitura essencial na ciência política (pouco lido, por sinal). Você sabe que os seus aliados provavelmente te envenenariam enquanto dorme e você cria uma série de contingências de tal forma, que eles ou não vêem vantagem nisso, ou não tem a possibilidade para tal.


Geralmente essa reflexão sobre o real aparece como uma tentativa de refutar o materialismo-histórico dialético (e assim, não falta autor que faz isso). Eles denunciam que Marx também tinha viés, Marx não considerou X, Y ou Z, a psicologia das massas, etc, etc. E assim, nós estamos falando que o mundo é bem mais complexo, cheio de especificidades, de microcosmos, citando questões bem pontuais e queremos que o outro, de um tempo completamente diferente do nosso, considere esses mínimos detalhes ?


Se Marx sabia ou não sobre essas questões, eu sei lá e não importa, é completamente contraprodutivo, no sentido de construir uma filosofia que tem como pressuposto, a transformação do material, perder tempo com uma série de mini-problemas do mundo, ao invés de tentar considerar um escopo mais amplo que de fato seja relevante para tal.


Esses mundos sombrios são sombrios para seus autores e leitores geralmente porque não existe uma salvação moral, ou porque todo mundo é sem valores, ou porque as coisas são assim mesmo, etc. E aqui a gente precisa fazer perguntas melhores. Nós sabemos que a moral é uma construção, sabemos que as coisas não são simples e não são como aparecem, etc, etc. A questão é descobrir como, onde, porque.


(っ◔◡◔)っ ♥ What's it like when you die? It really hurts :) ♥ 


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