O Operário (2005)

Operário é um filme de 2005 estrelado por Christian Bale, o mesmo ator de filmes como Psicopata Americano (2000) e Batman (2008), que segue a vida de um operário de uma fábrica com graves problemas de insônia. Acredito que na época o filme possa ter sido visto, com muita facilidade, como mais um de vários filmes que exploram a mente humana, como Réquiem para um sonho (2000) e de longe o mais parecido com ele, Clube da Luta (1999).

Spoiler, obviamente.

Bem, na minha opinião, dadas as mudanças no mundo do trabalho e na composição da sociedade de uma maneira geral, deveríamos ter visto esses filmes mais como alertas, como sintomas do que vivenciariamos alguns anos mais tarde. Jornadas de trabalho extensivas, menos direitos trabalhistas, menos acesso ao sistema de saúde e apesar do crescimento da internet, mais solitários e depressivos. Olhando em retrospectiva, nós mal imaginávamos que o mundo poderia piorar com todas as novas possibilidades que as tecnologias nos traziam. Acreditamos, por um bom tempo, que o século XXI seria diferente do mortal século XX e do século XIX.

Será que finalmente, todo aquele sangue, todas aquelas vidas, destruídas por causa do progresso, finalmente seriam capazes de transformar o mundo em uma utopia ?

Podemos abordar esse filme por duas vias principais : a subjetivista e a materialista. Na primeira interpretação, eu diria que é a mais esperada. O filme é do gênero suspense e seu foco principal é a vida do operário Reznik. Nós o acompanhamos pela manhã, enquanto lava o rosto e por algum motivo, lava as mãos com desinfetante. Observamos suas anotações do que fazer, como se ele estivesse tendo problemas graves de memória.

Quando ele chega no seu trabalho, uma fábrica que nunca ficamos sabendo que fabrica, vemos uma grande sala de máquinas cheia de trabalhadores que nunca conversam entre si e um supervisor chato tentando explorar eles o máximo possível. Depois do trabalho ele vai para um aeroporto, conversa com uma garçonete e come torta com café.

Com certeza, há muitos elementos dentro da narrativa que podem ser explorados à exaustão comentando sobre a psique do nosso personagem. Todavia, deixo essa tarefa para os estudantes de psicologia. Não acredito que vamos ir muito longe comentando a mente de Reznik. O próprio filme faz um trabalho excelente em oferecer um quebra cabeça que foge dos reinos de subjetividade da psicologia.

Por isso prefiro muito mais que prestemos atenção nos elementos materiais da história. Não necessariamente no Reznik, mas no mundo que ele vive. Isso é uma tarefa muito mais complicada do que parece.

Nós enxergamos o mundo nos olhos de Reznik, um homem doente que não dorme há mais de um ano. Então, há uma grande dificuldade tanto nossa, quanto do próprio personagem para compreender o que acontece à sua volta.

Isso não é algo gratuito. Na verdade, emula muito bem a percepção que nós temos sobre o mundo em nosso dia a dia. Nós também pegamos rotinas de trabalho maçantes, nos tornamos viciados em medicamentos, nós comemos mal e desenvolvemos hábitos nada saudáveis. Muitas vezes sem nos darmos conta, aos poucos estamos enlouquecendo.

Esse adoecimento lento, rasteiro, que aos poucos vai tomando nosso corpo, aparece nas mãos dos neurologistas e psicólogos como mera “doença”. Alguns chegam a especular sobre questões genéticas, quando não falam em “problemas de raça” e de “gênero”.

O átomo social homem, é o único capaz de causar problemas a si mesmo : essa é a lógica por trás desse tipo de pensamento. Mas não é preciso muito para dizer que não existem homens sem a sociedade, sem o tempo em que vivem e o local de onde eles vêm. Nós somos produtos e produtores do mundo em que vivemos.

Que mundo ele pode produzir ? A questão é que escolha ele teve durante toda sua vida ? Ele trabalha numa fábrica e durante toda história nunca fica claro o que está sendo produzido. Não sabemos muito do seu passado, como por exemplo, ele se tornou um operário, só que ele é um. Vemos máquinas e mais máquinas, soldas sendo feitas para todo canto, e quando vemos a fábrica do lado de fora um grande galpão (não dá pra saber o que está sendo feito).

O que é feito na fábrica ? Eis, um detalhe nunca explicado e que pode explicar seu adoecimento. Não só ninguém usa devidos equipamentos de segurança, mas parece que o sindicato tem pouca força dentro da fábrica. O único que cita o sindicato é o próprio Reznik. Os outros trabalhadores não pareciam estar tão interessados, ou tão organizados, para se meter em assuntos do trabalho. Muitos só querem abaixar a cabeça e trabalhar.

Logo no início do filme, um de seus colegas estava consertando uma máquina com defeito e seu supervisor queria descontar as horas que a máquina estava parada do salário dele. Reznik interviu e disse que era ilegal, já que quebrava o acordo da empresa feita com o sindicato. Mais tarde, quando seu chefe o chama na sua sala, Reznik afirma que só poderia estar na sala com o representante do sindicato, coisa que seu chefe ignorou e o fez realizar um teste de urina. Não ficou claro se o teste era para saber se ele estava drogado (como sugeriu o supervisor na sala), ou se era uma tentativa de dispensar ele por estar doente.

As empresas, não raro, querem demitir funcionários mais experientes para não terem que gastar com salários mais altos e mais tarde pagar uma aposentadoria mais gorda. Para isso, elas criam mecanismos, ainda dentro da lei, para tornar o ambiente de trabalho algo insuportável.

Supervisores criam metas enormes com a intenção de aumentar a produção, mas também de criar uma tensão na empresa. Criam rankings de performance para criar competições entre os trabalhadores. E não sejamos inocentes em acreditar que um trabalhador sindicalizado não sofre as consequências por estar organizado no sindicato.

São elementos dentro da história que nunca ficam de fato bem explicados. Nós passamos mais tempo observando as consequências, do que as causas do adoecimento dele durante a história. Por exemplo, será que ele lavava suas mãos com desinfetante por conta de algum material que manuseia durante o trabalho ?

Para um filme de 2005, mostrar uma fábrica é algo alienígena. Estamos falando aqui de pelo menos de 40 anos de desindustrialização mundial. Fábricas como aquela, com operários, são raras. Hoje (e em 2005) as fábricas estão quase vazias e quase que totalmente automatizadas. Para alguém que vive no Brasil no ano de 2022, uma fábrica daquela, sindicato, direitos trabalhistas, soam como uma lenda do passado.

É preciso notar que ainda sim, havia um sucateamento. Podemos notar que dentro da fábrica havia poucos trabalhadores com equipamentos de segurança. Tanto que durante o filme, um colega de Reznik perde o braço porque uma máquina não tem uma trava de segurança – o próprio Reznik quase perde o braço depois em outro acidente

O que o trabalho alienado pode fazer conosco ? Ele nos atomiza. Da mesma forma que Reznik na fábrica não falava com ninguém, fora dela as únicas pessoas que ele conversava eram mulheres que estavam trabalhando. A garçonete era sua companhia enquanto tomava café e uma prostituta o satisfazia enquanto tentava dormir.

Esse é um quadro da vida na cidade muito difícil de ignorar enquanto vemos o filme. Na minha opinião, eu entendo o vício quase que da época em focar exclusivamente em um personagem principal e ir trabalhando as questões como mera psicologia. Mas aqui ser posto no ponto de vista do operário faz algo além : nos mostra a dificuldade que é enxergar algum horizonte, algum futuro na vida e o quanto faz falta as pessoas “do lado de fora” da gente.

Nós somos forçados diante de uma questão impossível de se responder - será que o problema é comigo ou é com o mundo lá fora ? Mesmo que eu te dê todos os spoiler do mundo, é uma coisa que você não vai conseguir responder. Reznik, assim como eu, como você, é um ser humano cheio de defeitos. Só que a gente sabe bem que o mundo que a gente vive também não é flor que se cheire.

Como que a gente resolve isso ? Essa resposta o filme não se propõe a oferecer.

Ghost