ᴼˢ ⁱⁿᶜᵒᵐᵘⁿⁱᶜáᵛᵉⁱˢ ⁻ ᵒᵘ ᵘᵐᵃ ᶜʳíᵗⁱᶜᵃ ᵃᵒ ᶜᵒⁿᶜᵉⁱᵗᵒ ᵈᵉ ᵇᵒˡʰᵃ

Furar a bolha - Tá aí uma coisa impossível de se fazer. É impossível discutir se o seu discurso não chega do outro lado, se não há pelo menos alguma consideração com o que você fala. Uma conversa sempre precisa de um duplo, é dialética básica.

A mídia de massa é um fenômeno do século passado, hoje nós vivemos num consumo individualizado, solitário, nichado. Antes era bem possível que círculos sociais mais variados se formassem, vivíamos juntos, ouvíamos música juntos, víamos TV na sala, até o ato de comprar era coletivo. Nós nos isolamos, no trabalho e na forma de viver a vida, o consumo passou a ganhar um espaço central na formação da nossa identidade.

Essa mudança no consumo (e o próprio trabalho), criou um tipo de subjetividade radicalmente solitária e às vezes as pessoas não têm muito a capacidade de entender isso. Não é só que a gente tem um consumo diferente, se trata de um conjunto de valores, sentidos, produtos, moral, ética, uma língua tão distantes entre si, que é praticamente impossível que haja alguma comunicação.

Não é que o bolsonarista, em primeiro lugar, vá querer te ouvir, pior, ele é tão distante de você, que é impossível que haja uma comunicação. É como se cada grupo social fosse uma raça alienígena diferente uma da outra.

Falo de alienígenas, porque eu estou pressupondo uma ontologia, uma história, uma filosofia, uma dezena de ideias, artes, etc.

Por isso que eu não gosto muito desse conceito de bolha. É uma compreensão que dá a entender que é possível que a gente escape disso, simplesmente, tentando. Não, você não vai entrar no meio de um grupo de fãs de kpop e vai mostrar para elas lowercase music, elas não vão te entender e você muito menos vai entender o kpop (“ah mas eu gosto de kpop e lowercase music”, a ideia é você entender que existem nichos diferentes e parabéns, você é uma exceção).

Entende que em primeiro lugar, precisa ter alguma comunicação ? Isso é o mais importante e em grande parte, isso não acontece. As pessoas não têm disposição de pegar coisas que elas discordam, por exemplo, ou de discordar em partes, e aqui o pulo do gato - de se pôr numa posição dialética ao outro.

Por exemplo, eu realmente duvido que você ligue para Steve Roden, um dos criadores do lowercase music. Na mesma medida, eu não escuto kpop, eu não sei o quão importante é o BTS. Eu sofro de empatia, eu consigo comparar os dois, consigo compreender as diferenças, os apelos de cada artista.

A maneira que a gente usa da tecnologia, vírgula, a maneira que a gente interage com o mundo à nossa volta e da maneira que a gente se entrega para uma concepção de mundo centrada em nós mesmos, é isso que impede uma conversa. O virtual remove o corpo da equação, eu estar com você faria você estar disposto a ouvir lowercase muito mais do que eu simplesmente te falando que existe e você fã de kpop com certeza me convenceria a dançar alguma coreografia com muito mais facilidade. Quando a gente está junto, nós temos muito em comum, nós estamos existindo.

Mas olha para mim, eu estudo, eu cresci fuçando internet, eu me fiz aqui gente, sei como funciona isso aqui. Sei dos códigos, como se pode manipular eles, eu sei fugir disso em parte (fugir mesmo seria criar uma outra internet).

O que isso quer dizer ? Eu cresci num mundo diferente, fui ter acesso tardio à internet em 2013. Vivi uma parte da minha vida no mundo de antes. Vi a internet mudar também. As mudanças no trabalho, na nossa vida. É possível ter uma perspectiva histórica dessa mudança estudando.

O que eu consigo entender também, até pelo formato da nossa educação, que nem todo mundo tem essa bagagem. Não ter essa bagagem, faz com que as pessoas se afundem em realidades paralelas e não saiam mais.

Veja, um INCEL nunca vai deixar de ser INCEL com bons argumentos, você precisa mudar a vida da pessoa. Ou seja, você precisa estar presente para mostrar coisas diferentes, ou seja, ficar aí respondendo fulano e ciclano, disso aquilo, na verdade não faz tanta diferença assim (principalmente, se o consumo é solitário).

Se a pessoa tem disposição de ouvir ela pode mudar, do contrário, só é possível mudar, mudando a vida material. A disposição diminui muito mais se estamos falando do mundo virtual. Muitas vezes o fulano que mudou foi porque um amigo mostrou determinado conteúdo e por eles terem uma relação mínima de amizade, e eles conversaram sobre e a pessoa mudou de opinião.

Quando a gente fala de uma sociedade, só mudando o nosso modo de produzir a vida. Enquanto existir capitalismo, a internet vai ser sempre uma ferramenta de criar realidades paralelas.

Note o seguinte : os evangélicos têm um projeto de poder. Eles têm emissoras de TV e rádio, uma penca de mídia digital, se esse aparato sozinho conseguisse convencer alguém, não seria melhor abandonar a estrutura material ?

Eles não abandonam, justamente porque essa ocupação de espaço é extremamente poderosa. As ideias não têm poder sem poder físico, material. Você tem essa estrutura porque ela tem influência, porque ela é poder político. O que convence uma pessoa que Deus existe não é a ideia abstrata de Deus, é ela mesma acreditar que Deus move a vida dela. Isso significa, você entrar na igreja e ganhar um emprego, seu negócio crescer, você de repente ter com quem contar.

O nicho, ninguém conversa, é preciso voltar a fazer política com o corpo. Estar nos lugares, fazer as coisas. Vejam o exemplo do Galo, o cara é um fudido, pobre, não tem padrão bonitinho da internet, o cara ganhou destaque por estar junto dos motoboy, ele é um motoboy, o que ele fala é importante porque tem correspondência na materialidade e mais importante, porque ele atua no mundo real. Galo existe, você vai achar ele por aí.

Muito bonito a esquerda crescendo na internet, podcast de Lula batendo mais views do que de Bolsonaro, mas quantos comunistas você viu na rua hoje ? Quantos diretórios ? Quantos protestos ? O quanto o engajamento online de um criador grande vira compromisso político mais tarde ?

(Por isso, por outro lado, me incomoda tanto esses “anticomunistas de esquerda”, é evidente que a esquerda brasileira é pequena, por que gastar saliva pisando no mais fraco ? Digo pisando, porque a crítica que fazem é para destruir mesmo.

Mire para cima, assim você acerta o rei.)
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