ᴼ qᵘᵉ é ᵃ ᵘⁿⁱᵛᵉʳˢⁱᵈᵃᵈᵉ ᵇᵘʳᵍᵘᵉˢᵃ ?

Quem dera a gente pudesse estudar por prazer e discutir coisas pelo prazer de conversar.

Todo texto sofre de um problema central : ele tem um autor. Essa criatura sofre de ter uma perspectiva, de ter crenças, de ter vieses, de estar inserida em determinado contexto histórico.

É impossível eu escrever esse texto sem a minha visão como estudante e de certa forma, membro da chamada comunidade acadêmica por um certo tempo. Como é impossível eu escrever isso sem expressar o que eu sinto no momento.

Se a gente fosse da filosofia, a pergunta essencial a se fazer para tentar lidar com a universidade, seria a seguinte : Se a universidade é o espaço de produção de conhecimento, o que é esse tal conhecimento ?

Essa abordagem sofre de ser muito desconectada da realidade. Ou seja, por não considerar as dinâmicas sociais, econômicas, políticas, etc, desse tal de conhecimento.

Mesmo que a gente descubra uma definição filosófica que defina bem o conhecimento, ela ainda vai ter como influência os valores do tempo que essa definição foi formulada. Por isso, eu prefiro entender conhecimento de uma forma mais ampla, mas no contexto que eu pretendo discutir, principalmente como um saber fazer.

Ainda que isso possa sofrer do mesmo problema que eu trouxe, ele está inserido num determinado contexto social, histórico-político. Por exemplo, o debate sobre o sexo dos anjos, é uma produção de conhecimento, mas não serve para esse contexto, ainda que a universidade produza volumes sobre o sexo dos anjos.

O próprio ato de discutir é também um saber fazer, ainda que seja sobre um tópico completamente alheio à realidade material. Definido o conhecimento, precisamos brevemente olhar a sociedade que vivemos.

Estamos no século XXI em um país do sul global, focado numa economia primário-exportadora e que oferece uma economia de serviços, especialmente nas grandes cidades. O trabalho imaterial, isto é, isso que a gente chama de conteúdo digital, consultorias, vendas, serviços como estética, dentistas, academias, cursos, aulas, etc.

Ou seja, um trabalho complexo que exige algum tipo de formação para ser realizado - e por realizado, entenda-se que diferente de um produto final, você paga pela produção de um processo. Uma depilação é diferente de uma produção de cera para depilação, por exemplo. No final da produção da cera para depilação, você tem um produto pronto; enquanto a depilação você paga pelo processo de depilação.

É importante entender isso, porque quando você fala, especialmente da graduação, é nesse nível de uso do conhecimento que estamos falando. Não se trata de abstratamente amar estudar e produzir conhecimento, se trata da realização de serviços. Quando você se forma, você faz com esse propósito.

Alguém da licenciatura oferece aulas, palestras, consultorias, e hoje em dia, existe uma tendência de pessoas formadas produzirem conteúdos digitais. Esta que vos fala, apesar de ser estudante, está fazendo isso na sua frente.

Eu acho que chega a ser óbvio dizer, o número de pessoas sem graduação é menor das que têm essa graduação, na mesma medida, o número de mestres e doutores é ainda menor. E falando de educação técnica, os cursinhos mundo afora, esse mesmo padrão se repete. Em todos os processos temos pelo menos a educação fundamental.

A conclusão que podemos tirar é que a educação é muito importante para o consumo. Certas coisas sequer seriam o sucesso de vendas se uma parcela muito grande da população não fosse minimamente letrada, como os celulares, os próprios livros, revistas, etc.

O compromisso do educador em grande medida é criar um consumidor, essa é uma autocrítica que precisamos fazer. A educação é aberta na medida que forma um consumidor, restrita para formar um cidadão capaz de pensar a própria condição, ousar pensar por si mesmo.

Nós somos educados para conseguirmos comprar cursos, vídeos, filmes, séries, etc. Mas não há uma educação além disso, que seja estruturante para construção da vida. Nós somos treinados para reproduzir a ideologia dominante, ainda que a nossa educação tenha uma roupagem minimamente progressista.

Se aprende a ser sommelier de livros e documentários, mas não de uso de conhecimento da nossa realidade. Qual o uso do conhecimento no capitalismo ? A produção, venda e a reprodução do modo de produção (no meio disso entra a ideologia).

Mais importante que discutir os grandes autores - é o uso deles. Usar um autor é como saber a planta baixa, é compreender o método de estudar e compreender o mundo. É por isso que a gente tem um monte de gente graduada, mas não tem, necessariamente, uma centena de doutores e mestres.

É sucateamento, falta de concursos, falta de projetos de pesquisa, falta investimento na educação - mas é um problema na forma mercantilizada, restrita e extremamente elitista (no sentido econômico, não intelectual) que a nossa educação é construída.

Terminar uma graduação, depois mestrado e doutorado, tem um recorte de classe, é uma estrada muito pouco amigável para quem não tem uma estrutura. Por isso, por mais que tenhamos várias cotas, nós ainda temos uma universidade que atende principalmente às camadas médias e altas da população.

Muitas vezes se formar não tem tanto a ver com a qualidade do que você faz, especialmente nas universidades privadas, mas com quanto você pode pagar.

Devemos defender a educação emancipatória. Educar para que os alunos se organizem, construam o mundo à sua volta e indo na onda de Althusser, é possível perverter os aparelhos ideológicos do Estado para o nosso lado. É preciso ocupar, é preciso compor, precisamos também ocupar as cadeiras de mestres, doutores, mesmo de graduação. Usar desse conhecimento para o nosso benefício social.

Herdemos o sonho de liberdade do século das luzes e que luz chegue em todo canto.
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