ᴼ ᵗᵉˢᵗᵉ ᵈᵉ ᵖˢⁱᶜᵒᵖᵃᵗᵃ ᵉ ᵃ ᵃᵐⁱᶻᵃᵈᵉ

escrito em 17 de setembro de 2021


Em Goiânia, aconteceu um homicídio estranho. Jovens com mais ou menos a minha idade, convidaram uma amiga para sair e para testar se eram psicopatas, mataram a amiga. Uma das cúmplices, uma mulher trans chamada Freya, mandou uma mensagem dizendo que amava a vítima para a mãe dela, de 35 anos, solteira.

Já vi algumas pessoas comentando que houve uma romantização da psicopatia. Talvez não seja isso, por um motivo bem simples: esses jovens não sabiam nem quem eram e muito menos o que era psicopatia.

Se havia necessidade de testar para descobrir, eles de fato sabiam quem eram?

Estou para dizer que também nem se trata de um caso isolado, essa dificuldade de se saber quem é e de compreender que existem outras pessoas no mundo já é algo comum.

Primeiro vamos começar pela própria amizade. Pelo que se sabe, os amigos eram otakus, provavelmente gostavam de alguma série em comum ou estilo musical. A mãe da menina morta revela uma coisa muito interessante, a filha estava muito feliz pelo convite dos amigos. Mas esses mesmos amigos não hesitaram em nenhum momento em matá-la.

Isso mostra que essa amizade talvez não fosse recíproca. Os gostos poderiam até ser os mesmos, mas a relação se resumiria a isso.

Ou seja, estamos falando de uma relação que não era uma relação, porém era uma associação. Poderiam ser amigos, por assim dizer, apenas por terem gostos parecidos e nada além disso. Não havia afeto.

Talvez jogassem os mesmos jogos online, escutassem a mesma música, assistissem à mesma série, mas não havia nenhuma conexão emocional.

A questão aqui é notar que cada vez mais as nossas relações se resumem a esses tipos de associações. As redes sociais, quando nos sugerem amigos, não raro, trabalham usando essa lógica da associação e nós transportamos essa lógica para o seio da nossa sociedade.

A foto de uma das cúmplices é significativa: 'no pain, no gain' na camisa. Esse é o lema da sociedade da performance que busca nos transformar em máquinas de produção. Trabalhamos, trabalhamos e trabalhamos, e as nossas relações são meras associações.

Não é difícil entender a hipótese dos assassinos sobre eles mesmos: Nada do que eles fazem importa e não sentem nada por quem se associam. Antes que alguém me acuse de defendê-los, o que estou dizendo é que essa dúvida sobre ser psicopata e não ter ideia de quem de fato é, trata-se de uma condição da nossa época.

A questão é que existem várias pessoas por aí que são da mesma forma que os três assassinos. Eles não são necessariamente psicopatas, mas sim pessoas imersas em um mundo menos humano e mais maquinal. As nossas relações não têm mais nenhum sentido, porque não há mais o texto, a semântica. A semiótica venceu.

Qualquer dia desses um vizinho seu, um amigo, um namorado e etc, vai querer tentar sufocar você para saber se ele está vivo e se você aí existe. Já que nós perdemos nossa capacidade de viver no mundo e sentirmos alguma coisa.

A mãe da vítima parecia ter uma boa relação com a filha. O que explica a confiança da vítima com os amigos. Ela nasceu diante de um mundo de solidariedade e imunização materna. Um mundo onde há amizades com afeto.

Por isso que a vítima foi tão feliz sair com os amigos comer alguma coisa. Ela jamais imaginaria que do outro lado, estavam pessoas que não sentiam absolutamente nada.

O alerta não é para que nós deixemos de fazer amigos - mas que a gente fique atento em relação às pessoas que não são nada, não sentem nada, não sabem quem são. Estas são muito mais perigosas que qualquer psicopata.

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