É muito claro que os anos Bolsonaro não serviram de pedagogia para a nossa população e muito menos para a esquerda de uma maneira geral. O Brasil é uma prova de que a tese aceleracionista/anarquista não funciona.
O fracasso das políticas neoliberais, que teve seu ápice nos governos de Temer/Bolsonaro, não perdeu nenhum pouco sua força nos mandatos do PT - e não perde agora com a volta do partido ao governo.
Se teve uma coisa que cresceu nesse processo foi a extrema-direita.
Por que eu digo isso ? De nada mudou a organização dos partidos em relação ao desastre que vivemos desde 2014 (puta merda, fazem 10 anos). É muito interessante ver que a militância cresceu, mas os partidos têm uma dificuldade de absorver seus quadros.
Seja por uma dificuldade de conseguir recrutar, seja por ter uma estrutura ainda muito dura e pouco organizada, a esquerda brasileira tem uma dificuldade muito grande de criar novos quadros.
Aquele militante organizado, bem preparado e que está numa organização com uma boa coordenação, logística, etc. Essa figura não existe, nem o partido “stalinista”.
Essa dificuldade de se organizar é muito expressa na dificuldade de pautar o debate, de reagir às políticas públicas reacionárias, de construir poder popular de fato, etc. O auge disso é essa ansiedade em relação ao que fazer depois que Lula morrer.
A esquerda tem alguma outra grande figura nacional ? Ou algum projeto que não seja um reformismo rebaixado do PT (ou neoliberalismo para os íntimos) ? E a resposta até o momento é não.
O grande problema das eleições no Brasil é que de repente isso que eu digo importa. No sentido de que, não se pensa política fora da institucionalidade ou da política formal.
Não estou dizendo que não seja importante disputar os espaços, eu sou à favor da gente tentar tomar mesmo a institucionalidade burguesa. Só que o nosso foco vem sendo exclusivamente nas eleições, seria muito interessante se a gente fizesse também as outras coisas.
A questão é que as pessoas percebem que o político só aparece nas eleições querendo te convencer de votar nele. Se reclamam disso com políticos velhos conservadores, imagina o que as pessoas não dizem da esquerda (não podemos esquecer do anticomunismo, e com o “fim do comunismo”, o antipetismo).
Se a gente não tem hegemonia, não adianta chegar com discurso bonito de igualdade e etc, não só as pessoas sabem que a gente não consegue fazer, como elas nem sabem quem a gente é.
O problema não é que a esquerda tem políticas “identitárias”, mas que muitas vezes a gente não tem um contato maior com o lugar que a gente milita. Adianta eu falar de anti racismo, anti lgbtfobia, etc, sem um debate material sobre as condições econômicas ? Não é que a gente precise deixar de falar dessas coisas, mas que o nosso discurso precisa deixar de ser idealista e achar que essas coisas mudam na conversa - É preciso também assumir embates e disputas.
Mesmo as conquistas que a gente tem hoje vieram com muita luta e sangue. Elas não vieram por amor ao próximo e arco-íris (mesmo o movimento LGBTQIA+).
Por isso não adianta chegar no dia da eleição querendo voto, por exemplo, porque vai lutar contra o racismo em abstrato. É preciso estar lá, estar presente, para fazer esse debate ser importante e junto da população construir o combate ao racismo de fato. Senão a gente vai ser para sempre propaganda do Itaú e nunca vai mudar nada.
É uma coisa que eu disse uma vez num grupo : “o problema não é o militante comunista “stalinista identitário”, é justamente que a gente não tem o militante. O que você vê nas ruas e nas esquinas ? A igreja evangélica”. Para mim chega ser injusto a quantidade de críticas que esse militante hipotético recebe, porque o nosso problema vem sendo justamente o contrário.
Não temos uma presença de massas. Mesmo o movimento estudantil que é conhecido por ter a esquerda, é pequeno comparado com a quantidade de estudantes e pior, se eu te disser que a maioria das faculdades nem tem esse DCE que o pessoal tanta reclama ?
Sim, a maior parte do nosso ensino superior é dado por faculdades privadas, que nem tem movimento estudantil organizado na maioria das vezes. E mesmo na universidade pública, nem todo lugar tem um movimento bem organizado e mobilizado, ainda que seja de esquerda.
Às vezes, uma organização que é muito combativa e organizada num lugar, é pelega, mal organizada no outro. Enfim, falta organização.
E vai pipocar gente falando exatamente isso que eu tô falando.”Precisa trabalho de base”, ou até “a esquerda precisa melhorar a sua comunicação”. Durante as eleições vão querer fazer um avanço nessas questões em menos de alguns meses, para um trabalho que precisa de anos para ser feito.
O que a gente precisa perguntar é por que as pessoas conseguem ver alívio na igreja evangélica caça níquel, nas drogas, nas apostas, no crime, no trabalho PJ escravo e o nosso projeto de emancipação não recebe a mesma atração ?
Se você observar, tanto a política antidrogas (que as drogas vem vencendo curiosamente), como a forma que a segurança pública atua, é no sentido de criar medo e uma sensação de insegurança constante.
Ou seja, existe aí uma ferramenta contra-revolucionária nessa atuação. Se você somar isso com a ideologia neoliberal de cada um por si, com a privatização dos espaços públicos, você começa a entender porque a única coisa que um jovem tem para fazer muitas vezes é se drogar e depois pedir perdão na igreja do bairro.
O desemprego faz as camadas mais pobres, em muitos casos, terem que recorrer ao crime ou a prostituição. A classe média ainda abre um PJ ou algo assim, muitas vezes um Onlyfans ou um canal no YouTube. É muito engraçado que as pessoas reclamem que os jovens querem ser criadores de conteúdo : que opção os jovens têm ?
Estudar para que ? Para ficar desempregado ? Ou mesmo que consiga um emprego, ainda com uma boa qualificação, vamos receber um salário ruim, para fazer mais coisas do que a gente foi contratado para fazer. A inflação cresce justamente porque tudo lentamente vai sendo privatizado, os preços de tudo sobe e o salário mínimo perde valor (e olhe lá se você recebe o salário mínimo).
Então não é difícil entender porque muita gente vai fazer conteúdo, ou se prostituir, ou entrar no crime, ou em algum esquema de pirâmide, ou coisa do tipo. A chance de você conseguir fazer um concurso (se tiver) e arrumar um emprego, é quase a mesma que apostar na loteria.
Mas a questão é, por que mesmo nessas condições a esquerda não consegue capturar essa energia para uma mudança ?
É exatamente porque a sociedade vive esse desmonte, que a primeira coisa que as pessoas pensam, não é se organizar, justamente porque “não se pode confiar em ninguém”, mas também porque o único espaço que essas pessoas tem muitas vezes, é a igreja, é a droga, é prostituição, etc.
Por isso, eu acho muito desonesto quem perde tempo criticando o “stalinismo”, mesmo o trotskismo, ou maoismo, porque falta ter até esse militante hipotético. E mesmo que esses ismos sejam um problema, se eles existem, é justamente por causa dessa desconexão com o lugar.
Por mais que a esquerda tenha crescido com a pandemia e desde 2013, ela não tenha crescido tanto, isso ainda não se traduziu numa mudança na organização dos partidos.
Se a maior máquina partidária (que ainda é considerado um partido de esquerda) que é o PT repete práticas que são consideradas atrasadas, o que partidos menores muitas vezes não tem nem a organização para gente construir uma crítica.
Nós estamos numa situação de reconstrução e mesmo essa reconstrução possui algumas contradições.
Então assim, o cenário para 2024 é de uma esquerda muito pequena e com uma direita que continua forte, mesmo com a “derrota” de Bolsonaro. Digo “derrota”, porque o cara não foi preso, suas bases continuam firmes, o centrão prontinho para voltar para ser fascista.
Essa dificuldade de se organizar é muito expressa na dificuldade de pautar o debate, de reagir às políticas públicas reacionárias, de construir poder popular de fato, etc. O auge disso é essa ansiedade em relação ao que fazer depois que Lula morrer.
A esquerda tem alguma outra grande figura nacional ? Ou algum projeto que não seja um reformismo rebaixado do PT (ou neoliberalismo para os íntimos) ? E a resposta até o momento é não.
O grande problema das eleições no Brasil é que de repente isso que eu digo importa. No sentido de que, não se pensa política fora da institucionalidade ou da política formal.
Não estou dizendo que não seja importante disputar os espaços, eu sou à favor da gente tentar tomar mesmo a institucionalidade burguesa. Só que o nosso foco vem sendo exclusivamente nas eleições, seria muito interessante se a gente fizesse também as outras coisas.
A questão é que as pessoas percebem que o político só aparece nas eleições querendo te convencer de votar nele. Se reclamam disso com políticos velhos conservadores, imagina o que as pessoas não dizem da esquerda (não podemos esquecer do anticomunismo, e com o “fim do comunismo”, o antipetismo).
Se a gente não tem hegemonia, não adianta chegar com discurso bonito de igualdade e etc, não só as pessoas sabem que a gente não consegue fazer, como elas nem sabem quem a gente é.
O problema não é que a esquerda tem políticas “identitárias”, mas que muitas vezes a gente não tem um contato maior com o lugar que a gente milita. Adianta eu falar de anti racismo, anti lgbtfobia, etc, sem um debate material sobre as condições econômicas ? Não é que a gente precise deixar de falar dessas coisas, mas que o nosso discurso precisa deixar de ser idealista e achar que essas coisas mudam na conversa - É preciso também assumir embates e disputas.
Mesmo as conquistas que a gente tem hoje vieram com muita luta e sangue. Elas não vieram por amor ao próximo e arco-íris (mesmo o movimento LGBTQIA+).
Por isso não adianta chegar no dia da eleição querendo voto, por exemplo, porque vai lutar contra o racismo em abstrato. É preciso estar lá, estar presente, para fazer esse debate ser importante e junto da população construir o combate ao racismo de fato. Senão a gente vai ser para sempre propaganda do Itaú e nunca vai mudar nada.
É uma coisa que eu disse uma vez num grupo : “o problema não é o militante comunista “stalinista identitário”, é justamente que a gente não tem o militante. O que você vê nas ruas e nas esquinas ? A igreja evangélica”. Para mim chega ser injusto a quantidade de críticas que esse militante hipotético recebe, porque o nosso problema vem sendo justamente o contrário.
Não temos uma presença de massas. Mesmo o movimento estudantil que é conhecido por ter a esquerda, é pequeno comparado com a quantidade de estudantes e pior, se eu te disser que a maioria das faculdades nem tem esse DCE que o pessoal tanta reclama ?
Sim, a maior parte do nosso ensino superior é dado por faculdades privadas, que nem tem movimento estudantil organizado na maioria das vezes. E mesmo na universidade pública, nem todo lugar tem um movimento bem organizado e mobilizado, ainda que seja de esquerda.
Às vezes, uma organização que é muito combativa e organizada num lugar, é pelega, mal organizada no outro. Enfim, falta organização.
E vai pipocar gente falando exatamente isso que eu tô falando.”Precisa trabalho de base”, ou até “a esquerda precisa melhorar a sua comunicação”. Durante as eleições vão querer fazer um avanço nessas questões em menos de alguns meses, para um trabalho que precisa de anos para ser feito.
O que a gente precisa perguntar é por que as pessoas conseguem ver alívio na igreja evangélica caça níquel, nas drogas, nas apostas, no crime, no trabalho PJ escravo e o nosso projeto de emancipação não recebe a mesma atração ?
Se você observar, tanto a política antidrogas (que as drogas vem vencendo curiosamente), como a forma que a segurança pública atua, é no sentido de criar medo e uma sensação de insegurança constante.
Ou seja, existe aí uma ferramenta contra-revolucionária nessa atuação. Se você somar isso com a ideologia neoliberal de cada um por si, com a privatização dos espaços públicos, você começa a entender porque a única coisa que um jovem tem para fazer muitas vezes é se drogar e depois pedir perdão na igreja do bairro.
O desemprego faz as camadas mais pobres, em muitos casos, terem que recorrer ao crime ou a prostituição. A classe média ainda abre um PJ ou algo assim, muitas vezes um Onlyfans ou um canal no YouTube. É muito engraçado que as pessoas reclamem que os jovens querem ser criadores de conteúdo : que opção os jovens têm ?
Estudar para que ? Para ficar desempregado ? Ou mesmo que consiga um emprego, ainda com uma boa qualificação, vamos receber um salário ruim, para fazer mais coisas do que a gente foi contratado para fazer. A inflação cresce justamente porque tudo lentamente vai sendo privatizado, os preços de tudo sobe e o salário mínimo perde valor (e olhe lá se você recebe o salário mínimo).
Então não é difícil entender porque muita gente vai fazer conteúdo, ou se prostituir, ou entrar no crime, ou em algum esquema de pirâmide, ou coisa do tipo. A chance de você conseguir fazer um concurso (se tiver) e arrumar um emprego, é quase a mesma que apostar na loteria.
Mas a questão é, por que mesmo nessas condições a esquerda não consegue capturar essa energia para uma mudança ?
É exatamente porque a sociedade vive esse desmonte, que a primeira coisa que as pessoas pensam, não é se organizar, justamente porque “não se pode confiar em ninguém”, mas também porque o único espaço que essas pessoas tem muitas vezes, é a igreja, é a droga, é prostituição, etc.
Por isso, eu acho muito desonesto quem perde tempo criticando o “stalinismo”, mesmo o trotskismo, ou maoismo, porque falta ter até esse militante hipotético. E mesmo que esses ismos sejam um problema, se eles existem, é justamente por causa dessa desconexão com o lugar.
Por mais que a esquerda tenha crescido com a pandemia e desde 2013, ela não tenha crescido tanto, isso ainda não se traduziu numa mudança na organização dos partidos.
Se a maior máquina partidária (que ainda é considerado um partido de esquerda) que é o PT repete práticas que são consideradas atrasadas, o que partidos menores muitas vezes não tem nem a organização para gente construir uma crítica.
Nós estamos numa situação de reconstrução e mesmo essa reconstrução possui algumas contradições.
Então assim, o cenário para 2024 é de uma esquerda muito pequena e com uma direita que continua forte, mesmo com a “derrota” de Bolsonaro. Digo “derrota”, porque o cara não foi preso, suas bases continuam firmes, o centrão prontinho para voltar para ser fascista.