Pós-modernismo : o que não é ?

É muito comum você ouvir por aí algo nas linhas de “fulano é pós-moderno”, “tal filosofia é pós-moderna” e você nunca tem uma definição consensual do que é.

Para algumas pessoas é política de gênero, para outros estamos falando de relativistas, para um outro grupo de filosofias academicistas focadas na linguagem, a escola do Annales, o estruturalismo/pós-estruturalismo também, e isso vai depender do texto que você está lendo.

Acho eu que a culpa nem é tanto dos filósofos, afinal eles só são bons filósofos se tiverem uma pólis para discutir. Então, é difícil a gente conseguir compreender bem e discutir temas como esse.

Por isso, eu prefiro tomar uma abordagem mais sociológica. A minha justificativa é que essa abordagem explica a falta consenso e porque essa figura indefinida do “pós-moderno” é tão mal vista.

Quando a gente pensa na nossa época é impossível não falar do neoliberalismo. A gente precisa perguntar, qual é a principal consequência dessa política ? O ponto central dessa ideologia é o individualismo estilo John Wayne, é o self-made man, aquele tipo de homem estilo Rambo que pega o destino na mão e faz um milhão de dólares.

O mote de Thatcher de “Não há sociedade, apenas indivíduos e suas famílias” resume muito bem isso. Se trata do fim do coletivo, do público, da cooperação, dos sindicatos, da organização social e de uma coisa muito importante : confiança.


Confiar se tornou impossível, se você é um competidor, o seu “amigo” também é, então você não pode contar com ele. Mesmo o dinheiro perdeu seu lastro no ouro, então não existe mais nada sólido.

É uma sociedade dos empregos “bico”, dos contratos informais, dos planos e apostas para ficar rico. Não existe estabilidade. É o mundo dos casamentos de uma semana, das ficadas, do sexo casual sem nome.

Aí você consegue entender porque quando a gente fala de pós-moderno existe essa relação quase que direta com instabilidade. E para quem fala, o que é pós-moderno tem relação justamente com isso.

Por exemplo, teorias de gênero muitas vezes são relacionadas com pós-modernismo. Elas são de fato pós-modernas ? Como eu disse, depende da sua definição, já que não existe um consenso do que de fato é isso, mas é muito claro quando se fala disso, que a pessoa se refere a expressões de gênero diferentes da norma.

Ou seja, pós-moderno pode ser palavrão : é uma forma educada de ser um preconceituoso apontar que ele existe. Novamente, perceba a questão da instabilidade, ter uma expressão de gênero ou falar de gênero de forma mais complexa, é o ponto de incômodo.

Outra coisa que chamam de pós-modernos é a escola dos Annales. Pois bem, existem fases e fases dessa escola, todavia, podemos dizer que o principal incômodo de alguns de seus críticos é que ela é muito relativista.

Isso porque a teoria da história de alguns autores tenta entender cada historiografia dentro de seu contexto. A revolução industrial brasileira não aconteceu da mesma forma que a inglesa, e por aí vai, por exemplo. Isso seria uma coisa que os Annales trariam.

Novamente, note a instabilidade. O mesmo vale para estudos linguísticos do estruturalismo e do pós-estruturalismo. Só que o grande erro de muitos desses críticos no meu ver é acreditar que a ideia vem antes da matéria.

Que o fato de uma teoria ganhar uma complexidade maior (e aqui teoria, estamos falando de hipóteses que foram testadas e confirmadas) é meramente uma invenção do autor do texto.

Lyotard (o primeiro autor a usar o termo pós-moderno) o usou num contexto para definir esse capitalismo informacional, intelectualizado, tecnológico e internacional que se desenvolvia na época que ele fez o texto e se tornou o que é hoje.

Ou seja, as teorias mais complexas que nós temos nas CIÊNCIAS HUMANAS, existem para tentar entender um mundo que se complexificou. Não dá mais para dizer que Deus explica, o mundo ganhou uma dimensão que nem Deus teria condições de compreender sozinho. A ideia veio depois de analisar a materialidade, não o contrário.

Essa instabilidade, somada com uma sociedade fragmentada e incapaz de se coletivizar, realmente vai criar uma situação praticamente impossível de se chegar numa conversa.

Agora o fenômeno da academia anticomunista não é um fruto do pós-modernismo, e sim da guerra fria. Tem uma razão para alguns intelectuais franceses terem sido literalmente financiados pela CIA.

E assim, a gente vive tempos de anti-intelectualismo, é claro que o que você não gasta 5 minutos para entender vai ser pós-moderno. Por que não seria não é mesmo ? Esse é um outro papel dessa palavra.

Mas note que o meu ponto se mantém firme, o problema é o solo se movendo, é a instabilidade e falta de um sentido que o mundo ganhou. O medo é que as coisas deixem de existir e significar alguma coisa, a pergunta correta que a gente deveria fazer : por que as coisas estão assim ?

Por que ninguém consegue ter paz ? A resposta para isso, é justamente, porque a gente perdeu o social, nós perdemos público e o coletivo. É impossível viver em paz se o tempo todo nós precisamos lidar com relações com pessoas que podem nos trair.

Isso cria uma sociedade paranóica, autodestrutiva, extremamente reacionária e individualista. É uma questão de criar situações extremamente merdas e esperar um resultado diferente. Por que fulano e ciclano não seriam uns cuzões ?


É quase que mandatório, por exemplo, você fazer coisas na sua empresa que prejudique seus colegas. Por que ? Porque dessa forma você elimina a concorrência, já que o ambiente de trabalho é uma competição.

Quem já trabalhou com vendas sabe bem o que eu falo..O seu colega que faz mais que você é melhor que você e mesmo que seja ilegal demitir por não vender, isso é usado para demitir em caso de “corte de gastos”.

Então, essa dificuldade de definir o que é “pós-moderno”, vem justamente de uma sociedade com dificuldade de entender a si mesma.





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