Comentário sobre a atuação do PCR durante a ditadura e a nossa atuação hoje

Escrito em 8 de mar. de 2023
 
O que eu sei sobre a história da luta contra a ditadura por parte dos nossos partidos de esquerda, admito que não é grande coisa e quem sou eu para criticar a sua atuação. Cometeram erros, sim, mas eles pelo menos tentaram algo. É isso que deve ser valorizado.

O contexto da época também não ajudava, Kruschev lançava um relatório mentiroso imputando à Stalin repressão na URSS, o que somado aos eventos da revolução chinesa e do maio de 68, fragmentava a esquerda e dificultava a sua mobilização contra a ditadura.

Falando aqui, no grosso modo, podemos dizer que eram muitos movimentos embrionários, com pouca capilaridade e com poucos recursos lutando contra um Estado aparelhado para a destruição da militância socialista. Era uma situação extremamente desfavorável.

A repressão essa que aprendeu métodos de tortura com os Estados Unidos, na época bebendo de experimentos com a mente para caçar comunistas da CIA. Tortura, privação do sono, uso de substâncias psicotropicas, etc.

Então, que eventualmente eles (a esquerda) tenham interpretado os acontecimentos da revolução chinesa como iguais ao do Brasil, que tenham "subestimado" o inimigo que era o Estado brasileiro amparado à política anticomunista da guerra fria, que tenham abandonado o marxismo-leninismo ou até mesmo as aspirações revolucionárias, como era o caso do PCB na época, que enfim, tenham errado em várias coisas, também houveram vitórias.

Sejam vitórias nos DCEs, nos sindicatos ou mesmo nas eleições do MDB, nós conquistamos algo naquela época apesar de tudo isso. O que me traz aos dias atuais.

O abandono da via revolucionária foi o que fez com que a esquerda se tornasse algo alienado da luta popular. A via reformista afirma que : 1) é possível reformar o capitalismo; 2)  que é possível a conciliação de classes; 3) que não existe força popular para fazer revolução.

Cada uma dessas afirmações é uma mentira. Há incontáveis experiências de governos reformistas que simplesmente, do dia para noite foram destruídos, seja por golpe, seja por uma eleição, que perderam todos os direitos que conquistaram. Podemos dar o exemplo recente dos próprios governos do PT, que bastou um golpe usando de ferramentas da institucionalidade somada a eleição da extrema-direita, isso foi suficiente para destruir grande parte do pouco que o PT fez em 13 anos no poder.

Se você for olhar hoje em questão de números, o PT é o maior partido de esquerda da América Latina. Mesmo no governo, hoje tem a segunda maior bancada no congresso e no senado. Muitas políticas que são realizadas sob rótulo de "realpolitik", como as políticas constantes de crédito e austeridade no investimento público, poderiam facilmente ser derrubadas dada a própria hegemonia popular que o PT possui.

O bolsonarismo demonstrou algo muito importante : o deserto que é a atuação política da esquerda no seio da sociedade. Quando se trata de poder não existe espaço vazio, foi muito isso que a extrema-direita fez nessas últimas décadas. Sendo o transporte rodoviário tão importante para a economia brasileira, qual foi a dificuldade que houve em trabalhar com os caminhoneiros, ou mesmo o trabalho de base com os militares (que era feito por Marighella por exemplo), ou o trabalho de base com os "inúteis" da nossa sociedade (idosos, jovens desempregados, por exemplo), enfim, se nós tivéssemos trabalhado com essa parcela da população, talvez hoje não fosse tão complicado dialogar com ela. No texto sobre o PCR em que li, ficou muito claro, que já naquela época já era um problema muito grave a falta de um trabalho de politização das massas.

O que o PCR fez, mesmo sendo um partido ilegal nascido no meio da ditadura ? Inventou métodos novos de recrutamento, como por exemplo a "bomba de panfletos" (era uma lata de ninho que soltava uns 200 panfletos pro pessoal), os militantes iam trabalhar nos locais e começavam a fazer parte da vida local, nos seus jornais falavam as gírias do operário ou do camponês falando sobre questões de dentro dos ambientes de trabalho. Era uma trabalho que apesar de muito limitado por conta da época, foi eficaz em realizar greves rurais e estudantis.

É uma atuação que para época era extremamente difícil de fazer, com consequências graves e violentas para todos os envolvidos. Mas é algo que sequer ouvimos falar quando discutimos a atuação hoje, em tempos de mais liberdade política (com algumas limitações óbvias).

É como eu disse, houveram erros na ditadura, mas se erramos foi por ter feito alguma coisa. Foi por tentar. Hoje com 40 anos de internet em massa, o quanto a gente pode fazer de fato ? Até ontem, sequer existiam pessoas abertamente comunistas na internet brasileira.

O que incomoda é essa atuação como se estivéssemos nos anos 50, um medo de se organizar e de fato, criar poder popular, trabalhar de forma mais coordenada inclusive com movimentos de esquerda "adversários" (coisa que mesmo na ditadura aconteceu). Existe uma dificuldade muito grande em compreender a ditadura e em compreender o momento histórico atual.

Se na época o relatório de Kruschev foi responsável por transformar os partidos revolucionários em partidos reformistas, hoje o nosso evento que fez isso foi a própria transição para democracia. Que anistiou os militares dos seus crimes e até hoje eles se mantém como um antro de reacionarismo em nossa sociedade. Não é a toa, Bolsonaro ter saído desse buraco.

Há uma compreensão desonesta que a luta armada havia falhado por excesso de idealismo, que a forma de organização leninista não funcionava. Porém, essa visão ignora a fragmentação da esquerda na época e o pouco poder político que possuíam. A luta armada falhou porque a nossa esquerda tinha infinitamente menos força que a ditadura, não “pelas ideias que acreditava”.

Esse argumento é usado até hoje, para aceitar alianças com a burguesia, medidas populistas neoliberais, ou mesmo engolir quando a própria “esquerda liberal” faz medidas que a direita gosta, como o PPI, políticas de austeridade, etc. Se cede para a uma visão reformista que deixa de atuar junto a população, pede para os movimentos não se manifestarem, não fazerem greves, etc.

O limite é sempre eleger X ou Y, mas pela “representação abstrata” desse candidato - que no limite, não vai fazer absolutamente nada mais radical. A parte que dói mesmo, é a incapacidade desses políticos de esquerda, quando assumem cargos de gestão no Estado, de trabalhar em conjunto aos movimentos populares. Não acho que a gente deveria absorver todo movimento popular ao Estado, muito pelo contrário, ele deveria ter força para combater o próprio Estado quando necessário.

O nordeste é uma região onde muitos governadores são petistas ou aliados do PT, nem por isso reduziu a morte de militantes na região, um caso famoso é o do ex-governador Rui Costa mandando a política bater em professores quando fazem manifestação. Ou seja, o PT no lugar de trabalhar em conjunto com os sindicatos de professores e com os trabalhadores da educação para fazer suas políticas públicas, prefere mandar a polícia evitar que se manifestem.

Fica a pergunta : Para que a “esquerda liberal” quer tanto ser eleita, se quando está no governo, não trabalha de maneira coordenada com a sua base política ? Será que outros partidos seriam diferentes ? Talvez, não sejam tão truculentos como Rui Costa foi, mas também não fazem muita coisa.

Vamos ser materialistas, esqueçamos os reformistas, o que a gente pode fazer hoje sem eles ? Não muita coisa né, já que politicamente não temos tanto poder assim, nem números somos capazes de fazer. Como a gente resolve isso ? Com o bom e velho trabalho de base, propaganda basicamente. Para fazer uma boa divulgação das ideias, podemos usar de vídeos, podemos fazer jornais, panfletar como sempre, enfim.

Para isso, a gente precisa discutir as questões da classe trabalhadora de hoje, falar a língua dela, ter uma clareza interna de quais são esses problemas e uma pauta clara do que fazer para resolver esses problemas. Independente disso, olhando para a divulgação na internet, por exemplo, processos jurídicos podem aparecer, agressões como no caso do Galo, ou a própria morte de Marielle Franco.

Como resolver isso ? Precisamos de uma vez, usar dessa “liberdade política” para nos coordenarmos juridicamente, para evitar que o assédio jurídico. Se Lula sofreu isso, sendo reformista, o que um comunista radical não pode sofrer com isso ? Segundo ponto, é compreender que os nossos militantes precisam estar seguros e para isso, é preciso coordenação e trabalhar usando inteligência, se na ditadura sempre tinha alguém responsável pela segurança, por que hoje não poderíamos ter ?

São discussões que precisamos para ontem colocar em pauta. O que cansa muito a gente é isso, defender LGBT+, negros, mulheres, indigenas, etc - mas nunca responde uma questão que é a seguinte : se o problema dessas populações é o seu assasinato (dentre vários problemas), o que nós como movimento podemos fazer para evitar que isso aconteça ? São cursos de autodefesa ? É o acesso à moradia ? É fazer a segurança delas diretamente ? Não sou eu que devo responder isso, é a própria organização dos partidos.

O que de fato incomoda é esse ponto, houve tanta luta pela democracia, que tem suas contradições, mas que oferece mais liberdade que a ditadura, e toda essa liberdade a mais não significou muita coisa nesses mais de 40 anos de democratização.

Notas e referências :

Deixo a carta de Manoel Coelho Raposo de saída do PCR que possui alguns pontos interessantes a serem lidos.

Carta de Afastamento do PCR. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/raposo/2004/06/carta.htm>. Acesso em: 9 mar. 2023.

Texto que foi comentado
 
SILVA, M. F. DA. Formação e trajetória do PCR em Alagoas durante a ditadura militar (1966-1973). 2017.

Violência Rui Costa

A violência do Governo Rui Costa contra professores e estudantes da Uesb. Disponível em: <https://www.adusb.org.br/web/page?slug=news&id=8503>. Acesso em: 9 mar. 2023.

Na Bahia, PM reprime professores e estudantes das Ueba. Disponível em: <https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/na-bahia-pM-reprime-professores-e-estudantes-das-ueba1>. Acesso em: 9 mar. 2023.

Dia de Luto Contra a Violência do Governo Rui Costa acontece nesta terça-feira (30). Disponível em: <https://www.aduneb.com.br/noticias.php?news_not_pk=5786>. Acesso em: 9 mar. 2023.

Professores repudiam violência da Polícia Militar e Governo Rui Costa. Disponível em: <https://www.portal.adusc.org/__trashed/>. Acesso em: 9 mar. 2023.

Marielle

Assassinato de Marielle Franco completa quatro anos sem que se conheça mandante do crime. Disponível em: <https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/03/14/assassinato-de-marielle-franco-completa-quatro-anos-sem-que-se-conheca-mandante-do-crime.ghtml>. Acesso em: 9 mar. 2023.

Galo

Galo sofre tortura policial e denuncia retaliação política. Disponível em: <https://www.esquerdadiario.com.br/Galo-sofre-tortura-policial-e-denuncia-retaliacao-politica>. Acesso em: 9 mar. 2023.
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