ᴱⁿᵗʳᵉ ᵃ ᶠᵒᶠᵒᶜᵃ ᵖᵒˡíᵗⁱᶜᵃ, ᵃ ᵐⁱˡⁱᵗâⁿᶜⁱᵃ ᵉ ᵒ ᵉˢᵖᵉᵗáᶜᵘˡᵒ

Nós somos extremamente despolitizados. O que significa dizer isso efetivamente ? A resposta é simples, é dizer que as pessoas não conhecem, mas principalmente, não se engajam em política.

Não é algo que as pessoas pensam no dia delas. Vai ter quem olha para isso e vai achar ruim, até porque tem uma pauta política que quer espalhar. Essa avaliação negativa oculta a causa dessa despolitização.

As pessoas não se interessam em política porque em primeiro lugar, não é um jogo para elas, não é uma coisa que elas têm algum poder político, isso acontece porque a desigualdade social é muito grande.

O nosso debate público sempre fica nesse limiar de tentar engajar as pessoas e propor uma pauta. Aí que entra a fofoca política.

Sempre tem algo muito grande e muito importante acontecendo. Nada é muito complexo que demanda muita organização, tudo é resolvido com alguma mobilização política mínima. Um engajamento nas redes sociais, uma doação que você nunca mais vai ver, um vídeo que você precisa muito espalhar, um ato que você precisa ir, etc.

Efetivamente, pouquíssimas pessoas são organizadas politicamente. A maior parte é militante de ocasião, mobilizado porque tem algo muito importante acontecendo e ele precisa fazer algo.

Quem deseja fazer política no Brasil não aposta na organização, geralmente se aposta numa espécie de susto, num frenesi generalizado, causado pelo o que eu vou chamar de fofoca política. É numa definição, fazer o terror midiático.

É muito interessante que no fazer política, isso inclui o debate, é sempre necessário que exista um cenário de permanente frenesi. As pessoas precisam saber a última novidade, o último escândalo do presidente, quem o governador está namorando, etc. Quem incorporou isso à sua prática, até porque ela pode mentir, foi a direita. A esquerda de uma forma geral foi junto para ser quem fala quando as coisas são injustas, o mundo ficou absurdo o suficiente para não precisar de uma headline.

A direita não quer organizar ninguém. Ela não quer saber do zé povinho, ela conversa com o coronel. Política conservadora é feita conversando com gente grande, não é feita organizando a população e indo de frente ao poder instituído. Nesse cenário, até por ter os aparelhos de mídia, a burguesia é quem usa muito dessa tática de fofoca política.

Ela quer povo na rua, quando precisa e quando quer avançar em espaços populares. Nos grandes jantares, você tem os liberais, bem vestidos, falando francês; Nas ruas, amplificando a narrativa e captando quadros estão os fascistas. Ela consegue pôr gente na rua, não significa necessariamente, que aquelas pessoas sejam todas organizadas, disciplinadas, treinadas, nas fileiras do fascismo.

São pessoas que, movidas pelo frenesi da fofoca "decidiram fazer alguma coisa", e isso naquela hora, era esse ato, outra foi uma campanha de pix, e assim vai. É uma coisa muito de momento, muito espontânea, que só se tornou possível por causa da internet.

É foda porque funciona. Você põe gente na rua com base no susto. A direita faz parte encaixa na sua estratégia, a esquerda acaba fazendo porque dá a ilusão de que ela cresceu e tem força.

Até peço desculpas para quem é alérgico ao cinismo, mas é muito difícil discutir isso sem ser aquela pessoa da cigarrilha, batom vermelho e do café preto sem açúcar. De por, inclusive essa conversa, no meio de um monte de coisa para flertar e no final nada disso importa. Ela só disse aquilo porque faz ela ficar gostosa falando de política. Eu prometo que não é isso e não, não estamos flertando.

Eu digo isso porque fica parecendo que eu estou desmerecendo a militância política. Fica parecendo que estou falando de mera manipulação, do que muitos ficam chamando de gado (mas quem segue ele nunca é, pode reparar). E não, não é isso.

Mas que a aposta num discurso rebaixado, exagerado, sem base material, de criar essa situação de frenesi e alerta constante, isso mobiliza e é por isso que as pessoas apostam na fofoca política e não em um debate mais qualificado. E a gente precisa lidar com pessoas acostumadas a ser dessa forma, de estar num constante estado de histeria, à beira de um colapso nervoso.

Não tem como qualificar o debate justamente porque a maior parte das pessoas é esse militante de ocasião, que só se interessa em falar de política porque "aconteceu algo muito importante". Nós temos bastante tempo desse fenômeno que é possível até falar que isso virou um negócio.

O que não falta é fofoqueiro e comentador de fofoca. Pior, gente que inventa coisa e depois some, e nada fica confirmado depois. A política perde todo seu caráter científico, toda complexidade de lutas e disputas, vira o grande bafafá da vez. Quem escreve as headlines pauta o debate.

Isso é um tipo de educação política, as pessoas se acostumam a discutir política de forma despolitizada. Vocês sabem, eu e muitas outras pessoas já comentaram sobre as políticas públicas liberais do governo Lula, seus problemas e as consequências lá na frente.

Pode reparar que o governo não teve basicamente nenhum revés em não cumprir algumas promessas de campanha. Muita coisa é técnica, complexa de entender, a maioria das pessoas não domina esses assuntos à fundo. Com exceção de categorias que têm sindicato, que são afetadas diretamente por algumas medidas, para o resto da população, pouco importa, não tem relevância.

Teve a privatização do presídio e isso já morreu, ninguém fala mais. Dificilmente algo vira um grande debate, tudo é a pauta do momento, o mais importante numa hora, na outra é coisa do passado. Isso é importante, o debate não raro, fica muito nichado, vira uma categoria mercadológica. O que é trans não te interessa porque você não é trans, assim como o que envolve racismo não te importa caso você não sofra com ele e assim segue.

Aqui não estou dizendo que você deve abraçar o mundo com os braços, estou dizendo que você tem dificuldade de ter solidariedade porque as pautas não são tratadas como pautas, mas como categorias mercadológicas. O cara que bebe Pepsi e gosta muito de Pepsi, não bebe Coca-cola e vice-versa, e essas duas marcas são rivais, elas competem.

Não só os movimentos competem entre si, como os partidos muitas vezes de mesma ideologia, as figuras populares que defendem as mesmas coisas, disputam espaço até com os que deveriam ser os seus aliados.

É muito isso, como a gente que quer fazer algo, que precisa fazer coisas para sobreviver lida com um cenário político tão escandalizado ? Teríamos que ser as amantes do governador da vez ? O nosso batom teria que manchar o rosto de algum político ? Será que só assim a gente consegue pautar o debate público ?
Ghost