DOC 003: TRÊS PONTOS SOBRE OS NÚMEROS DAS REDES

Como sempre segue o vídeo no final.
Qualquer pessoa que já postou qualquer coisa na internet sabe muito bem a sensação de postar uma coisa e sentir que aquilo não teve impacto nenhum. Uma postagem ou outra de vez em quando ganha alguma notoriedade maior - o que só cria um efeito maior de frustração porque as outras que você fez depois não tiveram a mesma visualização. Isso você usuário comum de internet até os criadores com seus milhões de espectadores. Há uma certa hipervalorização dos números. Todo mundo vira um estatístico. Não me entenda errado, estudar estatística é relevante e ter uma audiência numerosa também é importante. Não é difícil chegar num consenso em relação a isso, é de interesse de todos que o que você diga, independente do tipo de mensagem, seja muito espalhado e se torne algo relevante. Isso dá para quem transmite a mensagem um determinado status social e etc tal. O menino Byung Chul Han tem um texto sobre essa nossa tara por números, é um dos capítulos de um de seus livros (é o Psicopolítica, fala sobre dataísmo). O meu foco não é tão amplo dessa vez, essa seção do blog é uma espécie de documentação minha sobre fazer um blog, sobre criar conteúdo, sobre os problemas, as inseguranças disso, etc. Eu quero deixar alguma pista para quem depois tentar se debruçar a fundo sobre o tema. Meu foco aqui é mais na audiência e nas pessoas que fazem conteúdo (ainda que uma leitura mais ampla também os abrangesse). O meu problema com essas leituras é que ainda que elas consigam explicar o problema, como ele acontece, os seus mecanismos ideológicos, eles oferecem pouco conteúdo prático. Eu li umas 3,4 literaturas de Han, fora os vídeos sobre os assuntos que ele trata e mais uma série de autores, posso dizer que eu domino relativamente bem o tema. É muito assim, ok, sociedade do espetáculo, neoliberalismo individualista, o liso (ninguém quer atrito), sociedade da positividade, etc. O que eu faço com isso ? Acho que a primeira prática que a gente precisa mudar é o nosso foco constante em números, estatísticas de visualizações, de hashtags, etc e passar a tratar o nosso papel, como comunicadores, seja em postagens casuais à criação profissional de forma mais humanizada. Volto a repetir, não estou defendendo uma abolição da ciência de dados nessa questão. O que eu estou querendo dizer é que tem outras coisas que são mais importantes. Estar na internet é muito solitário, mesmo para a pessoa que tem seus milhões de seguidores como audiência. É fácil cair num certo niilismo, de entrar num ciclo de produção e reprodução infinita, onde você se perde e se torna apenas mais uma máquina de imprimir dinheiro. (Você usuário também não escapa de ser uma vaca leiteira de dinheiro, já que o seu scroll também vale dinheiro para as plataformas) A primeira coisa que eu acredito que seja mais importante, por exemplo, é ter uma comunidade, ter um grupo de pessoas que por mais que a única coisa em comum seja te seguir, elas entre si consigam formar laços de solidariedade e que você também possa firmar esses laços. E aqui, não importa tanto se você tem muitos seguidores. A maioria dos criadores que não é hiper famoso vive com uma comunidade pequena e bem unida. Isso dá uma certa liberdade editorial de produzir o que te deixa mais à vontade e sua audiência te acolher, possibilita que você possa produzir mais vagarosamente e com mais calma, porque você sabe que vai ter apoio. Claro, estou falando num cenário de uma comunidade bem unida, coesa, e tal. Eu já ajudei a criar, participei de uma série de comunidades, seja live, seja youtube, etc. A melhor parte é poder ter quem compartilhar as coisas, poder discutir coisas que vocês gostam, se divertir junto fazendo alguma coisa. A segunda coisa que eu acho mais importante de considerar é que o que você faz é importante para alguém, seja para uma pessoa (você mesmo), duas, três, sei lá. Falar para uma meia dúzia de gente é tão importante do que falar para três mil, quatro mil. Os seus professores num ano letivo falam com uns trezentos alunos, o cara que faz show de rua deve ver umas mil pessoas ouvindo sua música, o palestrante médio deve ter cinquenta pessoas numa sala. Vou falar por mim, eu tenho um vídeo de uma música com trezentas visualizações, quando que eu imaginaria que trezentas pessoas ouviriam a minha música e ainda por cima gostariam dela ? Aqui ainda estou falando em números, mas eu preciso que você ponha em perspectiva que cada um desses números é uma pessoa, é uma vida que mudou um pouquinho porque você passou por ela. Me deixa feliz saber que eu pude inspirar alguém, que algo que eu fiz ajudou de alguma forma e me incentiva a fazer mais. Novamente vou falar da minha experiência, quando eu fiz o mini-álbum [real socialism] o meu estado de espírito estava muito ruim. Desempregada, desanimada com a faculdade, sem meus remédios - eu não tava muito bem não, aí eu sentava e ia fazer essas músicas no LMMS, ficava umas horas, aí editava uma capa legal e porque eu gostei do processo de fazer, me ajudou a melhorar e aí quis compartilhar com as pessoas. Pela minha grande surpresa, muita gente gostou das músicas. Isso foi importante para mim como uma pequena criadora e vi que tem pessoas que gostaram também, que aquilo foi importante para elas de alguma forma. É aquela coisa, por conta de uma questão de números, nós deixamos de dar valor para a cultura como algo localizado, algo efêmero, pequeno, íntimo. Claro que tem uma parte da internet que entende isso muito bem - a indústria do conteúdo adulto. Ela investe fortemente no específico, no mais profundo e secreto desejo - uma das regras da internet, por assim dizer, é se algo existe, logo tem pornografia sobre. Saindo da internet, se a gente fosse levar tudo na quantidade de número de pessoas, sei lá o que, a gente não fazia muita coisa. O terceiro ponto é que nem sempre aquela quantidade de números das redes sociais existem ou sequer importam. É fato que muita gente que possui milhões de seguidores, não tem lá muito engajamento dentro do seu conteúdo. É também fato que o que não falta são pessoas que compram esses números de seguidores e mais um fato, é que tem pessoas que começam tendo uma literal equipe de TV online, para ajudar a gerenciar tudo, enquanto tem gente que mal tem um celular decente. Você aí ferrado, que gosta de fazer vídeo, que faz música, que faz sua arte - você muitas vezes tem mais engajamento, tem uma comunidade mais ativa e mais interessada, que muita gente famosa da internet. É mais ou menos isso que eu gostaria de falar aqui. O vídeo do Guilherme (desculpe se errei o nome dele) mostra muito isso. Ele de longe não é alguém famoso, alguém com números assustadoramente bizarramente grandes, mas o Gui consegue fazer algo importante, algo relevante, principalmente se tratando de música que é trazer uma perspectiva mais marxista para uma tema dominado por um bando reacionários cornos. No vídeo dele me fez pensar nisso que eu escrevi. Às vezes, a gente acha que sei lá, ninguém liga para o que gente faz, mas tem gente que sente falta quando a gente não produz, tem gente que fica ansiosa pelo nosso próximo trabalho, tem gente que legitimamente fica preocupada quando alguém que elas seguem não posta ou não aparece. É importante, tem impacto e expandir uma comunidade, no sentido mais socialista possível, não é ter um número esmagadoramente grande e pronto, é também conseguir acolher o máximo de pessoas possíveis da forma mais amigável e fraterna que a gente conseguir.



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