DOC 001: O QUE PODEMOS DIZER SOBRE O FORMATO DE VÍDEOS CURTOS? (TIK TOK, SHORTS, KWAI, STORIES, REELS, TWITTER, WHATSAPP, TELEGRAM)

Acho que eu não preciso gastar muito tempo falando que as redes sociais são dominadas por grandes monopólios. Já é um senso comum, o que foge um pouco das lentes do debate público é a verdadeira função da internet no capitalismo.

A internet possibilitou que o dinheiro fluísse de maneira ainda mais rápida, mais do que nunca ele superou as fronteiras nacionais. Quando vamos falar de capitalismo atual, precisamos sempre falar sobre o pós-fordismo e o neoliberalismo.

A industrialização, dentre várias coisas, é também um processo cultural. Nasce uma cultura da fábrica e também um tipo novo de consumo, chamado consumo de massas. Isso porque com a indústria a produtividade subiu radicalmente, ao ponto de que o custo de tudo se reduziu o suficiente para que o trabalhador conseguisse também virar um consumidor.

Novamente, uma das várias funções desse consumo, era transformar aquele trabalhador num consumidor. Isso mais tarde, se transformaria em um elemento ideológico para que o trabalhador se identificasse com o burguês.

O marketing foi de trabalhar características objetivas do produto (ex. carro chega a X km em Y segundos e tem Z de potência), passou para algo mais subjetivo (ex. Carro da liberdade) e hoje podemos dizer que se trabalha muito algo radicalmente nichado e masturbatório (ex. Carro para aventureiros, para você explorar a natureza). Só para deixar claro que não existe uma linha clara entre essas diferentes fases.

Isso é um resumão do que nós podemos chamar de capitalismo pós-fordista, pós-industrial, etc, etc. É importante ter isso em mente, quando falamos da internet de hoje, ela já nasce dentro do neoliberalismo, ou seja, dentro de uma lógica de consumo nichado.

Pode reparar que não existem mais figuras pop da mesma maneira que antigamente. Quando vamos falar de música, os Beatles são uma identidade de massa, uma estética, um estilo de vida, um tipo de personalidade. Em comparação com hoje, temos muitos mais artistas famosos, cada um em seu nicho diferente.

Isso é quase uma regra universal, inclusive considerando grandes artistas atuais. Para isso ser possível, ao ponto que você tem planejamento, criação de produtos, "fan service", etc, porque de alguma forma você tem acesso ao que seu público, de forma mais precisa, deseja consumir.

É para isso que serve uma rede social. É nela que as pessoas colocam suas informações (até porque virou um requisito ter rede social hoje em dia) e a função das redes sociais, é pegar essa quantidade gigantesca de informações, processar, vender e oferecer mais conteúdos para os usuários.

A nossa banda-larga em grande parte melhorou sua velocidade, os smartphones surgiram e produzir conteúdo, de uma certa forma, é algo generalizado na nossa sociedade.

Um elemento importante é a precarização do trabalho, não só como algo que vai fazer muita gente tentar crescer na internet como criadores de conteúdo, mas também com um aumento da carga horária.

As pessoas assistem vídeos curtos na pausa do trabalho, naqueles pequenos espaços de tempo que você pode descansar e até por razões de cansaço, de querer relaxar um pouco ao invés de pegar algo denso para assistir.

Quando eu vejo esse debate sobre Tik Tok, etc, as pessoas partem não raro, para uma ideia de que as pessoas estão ficando burras e os algoritmos [insira um problema]. Não se busca estudar, entender o que houve, o porquê do sucesso do vídeo curto.

A razão eu acho que é muito prática : ninguém tem tempo para gastar duas horas vendo algo mais denso, principalmente se o trabalho é de app, precarizado. (O que não significa que não existe público para vídeos longos, ou que esse mesmo público não veja esse tipo de conteúdo). Por um lado, considerando tudo, é um formato que atende muito bem as necessidades de uma sociedade acelerada.

Não só se espera que o trabalhador esteja sempre pronto para o trabalho o tempo todo, mas que o seu lazer seja produtivo. E assim, não estou dizendo que todo conteúdo curto é meramente informativo, mas que o formato é perfeito, principalmente, para quem quer falar sobre "vender bilhões em uma semana", "ache seu estoico", etc.

Ou de espalhar vídeos religiosos, teorias da conspiração, vídeos de meninas dançando, etc. Eu acho que a gente perderia muito tempo (pelo menos agora) se a gente tentar entender apenas o nicho ou um criador específico da plataforma.

O vídeo de gore, passando por uma fake news, orbitando vídeos satisfatórios, meninas dançando e até os vídeos falando de política, todos estão na mesma plataforma e eles cumprem um requisito essencial : o consumo é fácil.

Acho que os elementos tempo e a facilidade de uso são os principais fatores. Obviamente, são curtos, a interface é fácil de usar e o principal, é fácil de digerir. Existe uma estética de vídeo curto, uma forma de fazer que é fácil de reproduzir e fácil de consumir.

Se você não gosta de algo, você só precisa passar para o próximo. Aos poucos, o algoritmo vai "aprendendo" o que você gosta, e ótimo, ele só vai mostrando coisas que você gosta. Acho que o principal desafio hoje é você conseguir público numa sociedade em que todo mundo está fazendo alguma coisa para obter atenção.

O que me concerne bastante é o seguinte : será que as pessoas conseguem formar comunidades ? A impressão que eu tenho é que você tem vários nichos isolados, não necessariamente uma comunidade de forma mais ampla. Isso explica porque, não raro, existem nichos que brigam entre si, que disputam espaço para o mesmo tema.

Ainda que a mensagem chegue e se espalhe, a questão que me incomoda é se é possível superar o consumo solitário curado por um algoritmo. É muito por isso, os criadores nunca trabalham só com os vídeos curtos, muitos fazem Live, fazem vídeos longos no YouTube, tem podcasts, etc.

Eles são bons em se espalhar, mas e aí em relação à criar uma comunidade, criar uma conversação mais longa, será que de fato eles são bons ? Isso vale para qualquer rede social, mas geralmente se supervaloriza alguns números com a ideia de que aquilo é muito bom ou não, baseado na numeração que a rede te mostra na tela.

O que me preocupa é se aquela mensagem, aquele vídeo, fique preso meramente na rede social e sem causar algum impacto na vida real. Qual a conclusão que podemos tirar no momento ?

Olha, eu acho que é importante produzir conteúdo fácil de consumir. Não adianta nós conversarmos em termos muito complexos e não conseguir se comunicar, até porque não é isso o que queremos no final do dia ? Se fazer ouvir ? Por outro lado, esses números gigantescos, o consumo acelerado de conteúdo, será que ele é capaz de criar uma comunidade ?