Por que é tão fácil você ser manipulado ?

A sociologia positivista tem alguns problemas de captar as dinâmicas sociais, as mudanças históricas, de trabalhar com contingências e com o novo. Todavia, e isso é importante compreender, a visão positivista é uma visão que estrutura boa parte do Estado moderno brasileiro.

Existe, portanto, nas instituições brasileiras, uma estrutura que pensa a sociedade como o positivismo enxerga, isto é, como um organismo.

É muito importante destacar isso e não é um xingamento dizer que é positivista, porque é essencial a gente tentar entender como se pensa dentro das instituições.

Os movimentos sociais não são inimigos do Estado brasileiro, muito pelo contrário, eles funcionam como uma parte do organismo que faz funções que o corpo em si, por alguma razão (e a gente sabe bem porquê), não consegue cumprir.

Por exemplo, não existe uma política pública para lidar com mulheres que acabam em situação de rua por conta de violência doméstica, mas existe o movimento Olga Benário, que se organiza e faz exatamente isso.

Não tem uma política de moradia e de alimentação na cidade de São Paulo, aí existe o Padre Lancelotti que faz isso, coisa que o Estado brasileiro não faz.

A gente que é marxista sabe bem que certas atividades do Estado não são feitas, porque o Estado tem um caráter burguês, isto é, ele não serve para a classe trabalhadora.

Então, pro Estado brasileiro é normal sustar dívidas de grandes empresários, enquanto o brasileiro trabalhador médio é deixado para se afogar em dívidas.

Mas, você começa a ter problemas, a sociedade começa ficar disfuncional, as coisas começam parar de funcionar e por mais que a máquina queira que tudo seja triturado e consumido, ela precisa que a sociedade de alguma forma continue “funcionando”.

É como as bactérias do nosso intestino que digerem coisas que o nosso corpo não consegue consumir.

Parte do motivo de existir política pública e de existir alguma liberdade para os movimentos sociais, é porque isso tem a função de manter a sociedade “funcionando” minimamente para a reprodução do capital.

Por isso, burro é o empresário que é contra a educação pública, pois se você restringir todo ensino, você não vai ter uma mão de obra qualificada barata, vai ficar mais difícil e mais caro contratar gente.

O que isso tem a ver com manipulação ? Oras, é muito claro : num jogo de disputa ideológica, você tem uma certa oposição controlada e mesmo quando é de fato uma oposição, tem muita dificuldade de profissionalizar a militância e sair do voluntarismo.

Quando eu falo em oposição controlada eu tô falando é claro do chamado “campo democrático” (PT, PSOL, PSB, cia). Existe um papel muito claro deles serem o horizonte, o limite do que se pode pensar em políticas públicas. O governo pode deixar Brasília toda colorida, mas não vai fazer um edital com cota para pessoas trans no serviço público.

O nosso limite é sempre uma representação limitada, uma política de conciliação, políticas públicas tímidas que têm dificuldade de resolverem os problemas que nasceram para resolver.

Existe agora um tipo de bolsa permanência no ensino médio, mas isso não vem acompanhado de uma política de alimentação, previdência social, de moradia, etc. Por mais que a renda extra ajude, ela sozinha não paga todo o resto que uma pessoa precisa para conseguir estudar.

E aí vem meu problema com o voluntarismo, tem coisas que é preciso que o Estado venha e faça uma política pública. Moradia, por exemplo, você toca num ponto essencial para a constituição liberal que é a garantia da propriedade privada.

O Olga, o MLB, o MTST e o MST podem tentar lutar dentro dos seus limites para que isso de alguma forma seja sanado parcialmente. Mas isso sempre vai esbarrar em questões legais, militares, de inteligência, com interesses da burguesia, que mesmo o governo mais “progressista” nunca vai ceder.

Se você faz uma ocupação, você está “invadindo” nos olhos da polícia, da lei, da mídia e da sociedade civil que acaba bebendo muito dessa ideologia. Existem juízes, policiais, agentes do Estado, jornalistas burgueses, preparados para acabar e criminalizar esses movimentos sociais.

Por isso é tão difícil manter muitas vezes, uma, duas, ocupações em algumas cidades, porque existe toda uma organização para que essas ocupações não existam ou que seja muito difícil de novas ocupações aparecerem.

Esse é um ponto muito importante : a gente fica numa situação de penúria e de luta constante tão grande, que a gente vive na verdade num esforço para simplesmente existir.

Dá muito trabalho manter um movimento social justamente porque nós não temos uma hegemonia, nós não temos a máquina do Estado, não temos poder militar, mal conseguimos nos sustentar.

É bom ter o “campo democrático” no poder ? De certa maneira, ajuda alguma coisa, mas é completamente inútil, se esse “campo democrático” não dá espaço para os movimentos sociais ocuparem e ganharem parte do orçamento e do poder político na mão.

Existe essa contradição do Estado brasileiro não querer de jeito nenhum que os movimentos sociais existam, doutrina do inimigo interno que acredita que esses movimentos desafiam a segurança nacional; Por outro lado, eles precisam dos movimentos sociais senão a sociedade simplesmente colapsa e aí agora assim, o Estado pode até ser ameaçado por conta do caos social.

Isso deixa a gente numa situação muito delicada e instável. É muito claro que o “campo democrático” surge para evitar uma revolta popular. Ele é importante para a estabilidade do Estado nacional justamente porque acalma a população e limita a capacidade de mobilização dos movimentos populares.

Para o tamanho e extensão do Brasil temos poucas pessoas organizadas, o que precariza a militância, gera acúmulo de tarefa e a gente vive num país empobrecido, é claro que você vai ter gente que vai entrar na política para tentar ganhar alguma coisa. E nem isso a gente atrai tanto, visto que as igrejas crescem exponencialmente Brasil afora.

Esse é um lado. Agora para os movimentos sociais é sempre difícil lidar com a falta de organização popular, com a falta de recursos, com o risco constante de lidar com as forças do Estado e da segurança pública que servem à burguesia.

Essa precarização da militância política (fora todo discurso franciscano, “anti-burocracia” e derrotista) tem um papel de adestrar e dificultar o crescimento desses movimentos sociais. É muito importante que o Estado brasileiro faça a reforma agrária, cuide dos quilombos e mantenha os povos originários a garantia de suas terras.

Mas o que não falta é isso sendo quebrado. Quantas vezes você já não ouviu falar de território quilombola, indígena e da reforma agrária sendo atacado por coronel, multinacional e fdp miliciano ? Adianta ceder num ponto e não dar poder político para esses movimentos ?

E aí, por que eu te introduzi nessa sociologia ? Para te mostrar que você não sabe nem a metade do que está acontecendo. Eu que estudo esses assuntos, tenho dificuldade e muitas dúvidas sobre esses conflitos, imagina quem muitas vezes sequer estuda ou se dedica para isso ?

É isso que facilita colocar as pessoas numa situação de servirem de soldados do status quo. Você não tem ideia do que acontece, das conversas, das negociações, das dinâmicas de poder, essa confusão é proposital.

Na confusão é difícil saber quem você pode confiar. Na maior parte do tempo, as pessoas evitam a política justamente por conta dessas ambiguidades.

Isso cria uma outra coisa : elitização da informação. Uma coisa extremamente difícil de fazer numa educação claramente com propósito de criar um exército de desempregados bem qualificados, é criar autonomia intelectual.

Por que é tão importante você ter autonomia intelectual ? Porque você pensa, porque você é uma pessoa, porque isso te dá capacidade de decidir o que pensar, possibilita que você escolha o seu caminho.

O que não raro acontece, é gente que só segue porque fulano é famoso, porque fulano é bonitinho, etc. O problema nem é tanto isso, eu mesmo não acho um problema tão grande isso, a questão é que você tem menos cabeças pensando.

Essa é a questão problemática, porque isso cria dinâmicas de “fulano disse, então tá certo, porque é fulano”. Pode reparar que não existe um debate público no sentido do que a palavra debate quer dizer, existem pessoas famosas falando com pessoas famosas e as fanbases brigando.

Isso é anti-científico, isso dificulta a gente construir melhor os nossos movimentos.

Por fim, o que facilita te manipular é essa atomização social. Sem segurança social, você é alvo fácil para a precarização, você se torna uma pessoa que se fecha em si e não consegue confiar em ninguém.

É inegável que na classe trabalhadora os conflitos de gênero, raça, país, etc, são usados para fomentar guerras internas dentro da classe trabalhadora.

Não é à toa que a esquerda nunca chega num consenso no que fazer com as minorias. Aceitamos ou fingimos que elas nunca existiram ? A grande questão que eu quero fazer aqui é que essa postura de querer negar esses conflitos, essas contradições na classe trabalhadora (que inclusive penetra no próprio partido) é parte da luta de classes.

É claramente o mesmo que aconteceu nos Balcãs, se fomenta essas brigas, justamente para fatiar o país e promover limpeza genocida. É o que acontece com nossa juventude negra, com as pessoas trans desse país.

Então, isso são coisas que precisamos dar atenção. Nós não vamos vencer deles da mesma forma que 100 anos atrás, a guerra mudou completamente.

Não só ela tomou um outro patamar tecnológico, como ela ganhou espaço na mente, na cultura, no corpo, na tecnologia e em como usamos essa tecnologia. Nós precisamos pensar em uma política que seja capaz de lidar com essas mudanças.

É disputando teorias, é, assim como é inventando novas práticas. E aqui a necromancia é válida, vale a pena esquecer e tentar olhar o marxismo com um frescor de novidade. Deixar de lado debates bizantinos e começar a fazer debates nossos.

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