Lula 3 : A ameaça fantasma

Certo tempo atrás, escrevi sobre a possibilidade desse governo Lula, que dá uma continuidade à Bolsonaro em vários aspectos, fomentar não só o fascismo atual, como criar novos fascistas, desvinculados mesmo de Bolsonaro ou MBL.

O principal motivo é a compreensão que as políticas neoliberais, a forma de vida que ela fomenta, reaviva o movimento fascista. Podemos usar a tese de Berardi, como a de Ghiraldelli que deve bastante de sua análise à Han, para dizer que a formação dessa subjetividade individualista, alucinada, carente do afeto corporal, é o que possibilitou essa constelação maldita que levou Bolsonaro ao poder.

Chegou 2021, Lula elegível e a luta fomentada por dois anos de Bolsonaro chegou num pico graças à pandemia (ou na pandemia como um empurrão para a revolta popular estourar). Ghiraldelli participando dessas manifestações afirma que "novamente a revolução do indivíduo se repete". De fato, as manifestações pelo impeachment de Bolsonaro repetiram aquela efervescência de 2013.

Muitos marxistas olham para 2013 como uma oportunidade perdida de organizar as massas, Ghiraldelli olha como uma expressão da necessidade de se criar uma democracia participativa aos prazeres de Dewey/Rousseau. Independente do que eles compreendem sobre 2013, fato é que Lula/PT de 2013 e o de agora desse 2021 pandêmico, foram o principal remédio contra essa revolta popular.

A violência policial, a perseguição jurídica dos que se manifestaram, não foi o que fez as manifestações pararem em 2021 - em grande parte, foi o pedido implícito de Lula querer tirar Bolsonaro da presidência em uma eleição. As manifestações duraram meses e a sensação de cansaço era evidente.

Ninguém aguentava mais Bolsonaro, mas também já estava cansado de lutar - a pandemia mudou todo mundo. 2013 foi marcado pelo PT preferindo se aliar à direita do que ouvir o que a população tinha a dizer.

Apesar do PT trabalhar junto de movimentos sociais, é ele também o responsável por limitar a atividade política desses movimentos. Por que os comunistas não conseguiram usar 2013 ? Ou melhor, o que levaria a gente dizer que não houve uma "revolução do indivíduo" ?

É um erro muito grande acreditar que uma resposta desorganizada vai conseguir combater um sistema altamente organizado. Pior é o erro de acreditar que existe um sujeito político que é livre de associações, organizações políticas, vícios ideológicos.

A anti-política, ou melhor dizendo, essa noção que você magicamente vai fazer uma superação da política atual sem ter uma ideia do que fazer...é insuficiente. Não existe vazio no poder, o que houve com 2013 foi simplesmente uma cooptação, por mais de esquerda que tenha sido a natureza dos protestos.

Faltou uma direção, não no sentido de que as pessoas ali eram burras, ou que a consciência popular não sabia o que queria : faltou um programa político popular, nós não queríamos a social democracia rebaixada, mas não temos o que por no lugar.

É preciso entender que não basta ter boas palavras de ordem, é preciso saber o como fazer, o que fazer e porque fazer. Muito do que acontece do PT no poder atuar de forma neoliberal, é exatamente porque não se tem essas noções, e a esquerda radical muitas vezes também sofre disso.

Indo direto ao ponto, os comunistas não organizaram/não criaram 2013, porque não tinha nenhum comunista ou partido comunista para fazer isso. Isso não é desmerecer a esquerda radical, o contrário é lembrando de sua história que digo isso.

Só a título de lembrança, devemos lembrar que a ditadura militar teve como objetivo central a perseguição e a morte dos comunistas. E a "transição democrática" teve como marca a qualificação do PT, nas suas perspectivas social-democráticas reformistas, como sendo o limite do que a esquerda poderia fazer - "mudar o sistema por de dentro".

Por mais que muitos dos viéses de uma CUT, MST, MTST e etc, passem por algum cunho radical, alguns podem até dizer que esses movimentos sociais são radicais, o limite deles reside na execução de políticas públicas, no cumprimento da constituição federal. MTST depende, por exemplo, que a lei em relação ao uso social de imóveis seja cumprida - e se ela não for, o que acontece ? Qual a força política que o MTST tem para lidar com as leis do Estado burguês ?

Se o governo decidir que essa lei não serve mais, qual seria a resposta dessa esquerda ? Nota de repúdio ? Votar contra na Câmara ? Os governadores (que tem maior parte do controle da polícia) petistas ou aliados vão fazer algo contra essas ordens de despejo ?

A gente sabe que nada disso vai ser feito e ações para simular que houve uma tentativa de ser contra vão ser o foco. "Veja, votamos não, fizemos nota de repúdio" - e isso passa, deixa de ser assunto e a gente se acostuma.

A política passa a ser exclusivamente institucional, legal e transparente. Isso é tão difundido que há na academia uma certa ignorância da relação tão conjunta da atividade política e da atividade militar, como da atividade de espionagem.

O desafio da esquerda radical é construir uma organização política poderosa o suficiente para conseguir combater sistemas de inteligência, táticas militares e ações políticas institucionais.

Precisamos de uma vez, deixar de sermos reducionistas, idealistas e defensores de uma democracia abstrata que só existe num mundo perfeito. Como a classe trabalhadora brasileira, apesar de ser lutadora e de se mobilizar politicamente, por que ela não vê nos comunistas uma alternativa ?


A resposta é dura : porque a gente não oferece uma alternativa. E aqui eu nem estou falando da revolução, isso todo mundo compreende que não vai acontecer para amanhã, mesmo que a gente estivesse bem organizado hoje (o que não é o caso). Mas fato é, o que o exército, a igreja evangélica cassino, o crime sendo organizado ou não, o empreendedorismo, a uberização (essa economia de apps), o vício em drogas e o suicídio, com o sucateamento do serviço público e da carteira assinada, oferecem uma alternativa hoje para lidar com os problemas da classe trabalhadora.

Não resolvem o problema, mas é uma alternativa, é algum caminho a seguir, mesmo que seja literalmente o abismo. E como sair do abismo ? Essa é a questão.

Uma autocrítica importante é compreender que apesar do que foi feito nesses mais de 40 anos de "democracia", os nossos esforços não foram suficientes para que a gente conquistasse um espaço mais amplo na cena política.

O correto é olhar o que nos fez avançar na nossa luta e compreender porque deu certo, sem deixar de olhar o que não funcionou e porque não funcionou. O nosso socialismo é científico, assim deve ser a nossa abordagem.

Aqui falo muito na minha experiência social em geral : tá uma merda as coisas, mas ninguém tem uma noção mínima do que fazer para mudar. Não tem uma colaboração, as relações de cooperação quase não existem e eu aqui parafraseio Jorge Amado - é um milagre a gente estar vivo.

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