(Resenha do filme Ele está de volta)
Sem spoilers :)
A história nunca é sobre o passado, ela diz muito mais sobre o nosso presente.
Todos nós sabemos que Hitler morreu em 1945 no seu bunker, apesar das teorias de conspiração afirmarem o contrário. O filme parte da ideia fantástica (num sentido fantasioso), mesmo sem explicação alguma, e se Hitler fosse transportado para Berlin em 2015 ? O que ele pensaria, o que ele faria, ele seria capaz de subir ao poder novamente ? Como ele faria ?
O filme é muito competente em mostrar o reacionarismo em uma sociedade que supostamente é a mais progressista da Europa. A Alemanha do Estado de bem-estar social, do partido verde, dos planos de sustentabilidade e das ciclovias, ainda tem em si os mesmos elementos para construção de uma nova onda fascista.
É muito interessante a eficácia que o filme tem em mostrar a substituição da xenofobia contra o judeu para o muçulmano, ou mesmo contra o resto da Europa.
A ideia de que o branco perdeu seu espaço para lgbt+, veganos e defensores dos animais. É um filme na mesma pegada que Borat, no sentido de que usa entrevistas, abordagens, com pessoas reais para compor as suas filmagens.
E assim como os trabalhos de Baron Cohen, servem em parte como um material antropológico. O humor vem acompanhado de lágrimas porque aquelas pessoas são reais. O absurdo do personagem faz com que as pessoas fiquem a vontade para dizer coisas que nunca diriam em situações comuns. Tem personagem mais absurdo que o próprio Hitler ?
O filme tenta responder a seguinte pergunta : O que Hitler faria em 2015 ? Como ele faria ? O que ele pensa de algumas tecnologias e figuras atuais ? É partindo dessas perguntas que o filme segue.
Uma pergunta que não é respondida e é ela que devemos prestar atenção : Se você pode escolher reviver uma figura histórica importante, de todas elas, por que sempre nós escolhemos Hitler ?
Isso eu digo num tom para gente observar a imensa quantidade de filmes sobre Hitler, ou sobre o nazismo, que são lançados. É claro, em muitos deles, ele é o vilão e etc, etc. Mas o fato da gente sempre voltar a falar dele é parte de um sintoma da nossa cultura atual.
"À medida que uma discussão online se alonga, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou os nazistas tende a 100%"
Vocês já devem ter ouvido isso. Essa é a famosa lei de Godwin, em grande parte ela é verdadeira, porém ela não tenta explicar porque isso acontece.
O grande problema da sociedade ocidental pós-segunda guerra foi que ela não matou os nazistas, na verdade, muitos dos ex-oficiais ganharam cargos na Alemanha ocidental, cientistas foram trazidos para os Estados Unidos com a operação Paperclip. Quem de fato matou os nazistas e teve papel central na vitória foram os soviéticos.
Houve então uma onda anticomunista justamente por medo que o socialismo soviético ganhasse espaço no ocidente, se perseguiu militantes, fomentou golpes militares, se forjaram guerras, justamente com o propósito central de eliminar o socialismo como um horizonte.
O fascismo de um lado, sempre foi uma ferramenta excelente do status quo contra a classe trabalhadora. Por outro, ele serve também de um excelente bode expiatório para a esquerda liberal (a tal da new left) criticar o status quo sem fazer uma análise mais aprofundada da materialidade, sem de fato desafiar o status quo.
É muito comum essa new left igualar Stalin e Hitler, por conta do "autoritarismo"; Muito comum também ela usar disso para se dizer contra a burocracia, portanto reforçando o discurso neoliberal de privatizações; Há sempre junto desse pacote uma crítica difusa completamente reacionária, cheia de inverdades, sobre as experiências socialistas.
O que é impossível para esse pessoal entender é que o fascismo como movimento não precisa de um novo Hitler ou dele próprio. Nunca precisou. A grande questão é que você pega elementos reacionários de uma sociedade, junta com políticas anticomunistas, junta com a tal defesa do status quo e pronto, você tem um movimento fascista fácil de identificar. Ele em si não é uma causa, é uma consequência das políticas liberais.
Qual é o conjunto de políticas que nós podemos identificar como nazistas ? Eugenia, políticas contra minorias, contra imigração, forte participação privada na economia, ataque a sindicatos, prisões arbitrárias, militarização, etc. Eu não acabei de literalmente descrever qualquer Estado liberal ?
Essa é a questão, o que a esquerda liberal faz é individualizar a questão no nazismo, nas corporações, etc. Mas ela na verdade, naturaliza o capitalismo, para ela não é uma questão de fazer uma revolução, é de criar "empresas mais éticas e sustentáveis". Por isso toda discussão vira Hitler, por isso sempre tem filme de Hitler e gente que centra todo seu debate no Hitler - porque não pode falar do capitalismo. Nessa história Hitler é só o cachorrinho do capital.
Porque não se pode apontar que o ministro de sapatênis ao promover mais austeridade e até privatização em presídio, é tão promotor do nazismo quanto o próprio Hitler. A gente não pode esquecer o papel que o partido social-democrata alemão teve na hora de matar Rosa Luxemburgo e perseguir os comunistas, e de deixar o partido nazista livre para existir e participar das eleições normalmente.